A vitória de Sócrates é a metáfora do eucalipto: ele
seca tudo à sua volta e conduz o partido como muito
bem entende. A percentagem de 96,43 por cento dos
votos não reflecte, em boa verdade, a imagem que o
PS deseja expor. O PS dispõe de cerca de 73 mil
militantes, mas apenas 29 mil votaram, por terem as
quotas em dia. Há um manifesto desinteresse dos
socialistas pelo destino do partido em que militam.
Pode-se atribuir essa falta de comparência cívica a
mil razões. As mais das vezes razões falaciosas. E
as declarações jubilosas de altos dirigentes, em
lufa-lufa de subserviência ao chefe, além de
fastidiosas, ocultam o nó do problema. O PS é a
imagem devolvida do País: desencanto, aborrecimento,
ausência de convicções, desmotivação. São os
próprios princípios que estão em causa. A absurda
justaposição do slogan "socialismo moderno" com a
lógica fatal do neoliberalismo mais assanhado
conduziu a uma esterilidade ideológica e ética que
estas eleições vieram sancionar. O volumoso
resultado obtido por Sócrates não tem importância
nenhuma. A ameaça dos acontecimentos, a carência de
respostas sérias, o desprezo para com a história do
partido, a falta de fidelidade descaracterizaram o
PS. E José Sócrates não vive em autismo, não se move
num universo virtual: simplesmente não sabe como
resolver os inúmeros problemas da sociedade
portuguesa. Os temas exclusivos que, no congresso,
suscitaram o seu interesse, são indicadores do seu
oportunismo ou da sua incompetência. Esqueceu o
desemprego, o desajuste entre a realidade pungente,
na qual estamos mergulhados, e a mudança das
instituições; a falência dos bancos, a corrupção e a
própria questão da liberdade. Sócrates tinha opções:
não as tomou ou não as quis tomar. A sociedade
pedia-lhe (e até lhe exigia) respostas. O método de
pensamento que utilizou é-lhe habitual. Passa ao
lado do que se lhe pedia, exigia ou perguntava. Sob
a capa de falar de problemas "fracturantes", nunca
assumiu, com a coragem requerida, enfrentar os
dilemas que o excedem, mas que são inseparáveis dos
princípios elementares do nosso viver colectivo.
Desconhecemos o que José Sócrates pensa da exaustão
portuguesa, sovada pela agressividade das leis que
promoveu e fez promulgar. Não sabemos dos seus
projectos para Portugal, sobre o qual nos é
inculcada a ideia de que materialmente não tem
futuro.
Parece que o secretário-geral do PS e
primeiro-ministro somente obedece a forças cegas e
brutais, impostas e garantidas pelos grandes
interesses, que sobrepuseram o económico ao
político. Apesar de tudo, presumi, um pouco
ingenuamente, que José Sócrates iria inflectir o
discurso para outros perímetros. Enganei-me. O homem
não tem cura.