Diário de Notícias - 10 Fev 09

 

Casais procuram tribunal para decidir vida dos filhos
Ana Bela Ferreira

 

Justiça. Decidir que colégio devem os filhos frequentar nem sempre é fácil, por isso, são cada vez mais os casais não divorciados que recorrem ao tribunal para decidir problemas conjugais. A mediação e a terapia familiar podem ser alternativas à vida judicial, onde o processo pode chegar aos 2000 euros

 

Gonçalo (nome fictício), 14 anos, precisava do apoio de um psicólogo. Mas os pais não se entenderam quanto ao profissional que devia acompanhar o filho. Cada um deles procurou um especialista e, sem chegarem a um acordo, acabaram por avançar para tribunal, deixando ao juiz essa decisão. Esta é mais uma das muitas situações de casais não divorciados que recorrem à Justiça para decidir sob aspectos da vida dos filhos. É também o caso que mais marcou o advogado Helder Ferreira.

 

Na opinião deste especialista em direito da família, muitos destes casais "deviam divorciar-se". "Se não há entendimento quanto à vida dos filhos é porque perderam a cumplicidade e partilha que deve existir no casamento", justifica Helder Ferreira.

 

Situações como esta são também "muito comuns" para Rui Pinto Gonçalves, especialista em direito da família, sobretudo em casamentos inter-religiosos. "Chegam-me alguns casais de muçulmanos e não muçulmanos que querem que o tribunal decida em relação à roupa que os filhos devem usar e se devem cumprir as horas das orações, por exemplo." Famílias em que um dos elementos é Testemunha de Jeová também costumam procurar ajuda independente, em especial para questões relacionadas com os cuidados de saúde, explica o advogado.

 

O facto de estes casais não quererem divorciar-se e ainda estarem unidos faz com que muitas situações não cheguem sequer a julgamento, resolvendo-se com um acordo. Em Lisboa, uma juíza do Tribunal de Família e Menores, que pediu anonimato, revela: "Em quatro anos, já julguei uns três casos deste tipo." A maioria era sobre a escola que a criança devia frequentar: se um colégio privado ou uma escola pública. Outro foco de discórdia recorrente é, segundo a juíza, a religião: "Se a criança deve ser baptizada ou não ou se deve ter catequese."

 

Quando o processo chega a tribunal, o juiz tenta normalmente ouvir a criança, antes de decidir. Mas, "nem sempre pode desempatar", refere o antigo juiz do Tribunal de Família e Menores do Porto, Manuel Pinto. "Se o pai é católico e a mãe é Testemunha de Jeová, é ao tribunal que cabe decidir qual a melhor religião para o filho seguir? Não me parece que possa ser o tribunal a decidir." Ainda assim, nem todas as disputas podem ir a tribunal. A lei determina que só as questões de particular importância podem ser alvo de apreciação judicial.

 

Evitar o desgaste dos casais com este tipo de situação é o motivo mais apontado por juízes, advogados e psicoterapeutas para justificar esta opção. Mas também pode estar relacionado com o "exercício do poder", conforme explica Rui Ferreira Nunes, psicoterapeuta. A mediação ou terapia familiar são formas de resolver estes problemas sem recurso ao tribunal.

 

No meio dos muitos consensos, existem histórias que não acabam bem, como a de Gonçalo. A mãe chegou a dizer que tinha abdicado do seu psicólogo, mas o filho confessou em tribunal que continuava a ver dois profissionais. O jovem acabaria internado de urgência. Hoje luta contra uma neurose obessessivo-depressiva.