Casais procuram tribunal para decidir vida dos
filhos Ana Bela Ferreira
Justiça. Decidir que colégio devem os filhos
frequentar nem sempre é fácil, por isso, são cada
vez mais os casais não divorciados que recorrem ao
tribunal para decidir problemas conjugais. A
mediação e a terapia familiar podem ser alternativas
à vida judicial, onde o processo pode chegar aos
2000 euros
Gonçalo (nome fictício), 14 anos, precisava do apoio
de um psicólogo. Mas os pais não se entenderam
quanto ao profissional que devia acompanhar o filho.
Cada um deles procurou um especialista e, sem
chegarem a um acordo, acabaram por avançar para
tribunal, deixando ao juiz essa decisão. Esta é mais
uma das muitas situações de casais não divorciados
que recorrem à Justiça para decidir sob aspectos da
vida dos filhos. É também o caso que mais marcou o
advogado Helder Ferreira.
Na opinião deste especialista em direito da família,
muitos destes casais "deviam divorciar-se". "Se não
há entendimento quanto à vida dos filhos é porque
perderam a cumplicidade e partilha que deve existir
no casamento", justifica Helder Ferreira.
Situações como esta são também "muito comuns" para
Rui Pinto Gonçalves, especialista em direito da
família, sobretudo em casamentos inter-religiosos.
"Chegam-me alguns casais de muçulmanos e não
muçulmanos que querem que o tribunal decida em
relação à roupa que os filhos devem usar e se devem
cumprir as horas das orações, por exemplo." Famílias
em que um dos elementos é Testemunha de Jeová também
costumam procurar ajuda independente, em especial
para questões relacionadas com os cuidados de saúde,
explica o advogado.
O facto de estes casais não quererem divorciar-se e
ainda estarem unidos faz com que muitas situações
não cheguem sequer a julgamento, resolvendo-se com
um acordo. Em Lisboa, uma juíza do Tribunal de
Família e Menores, que pediu anonimato, revela: "Em
quatro anos, já julguei uns três casos deste tipo."
A maioria era sobre a escola que a criança devia
frequentar: se um colégio privado ou uma escola
pública. Outro foco de discórdia recorrente é,
segundo a juíza, a religião: "Se a criança deve ser
baptizada ou não ou se deve ter catequese."
Quando o processo chega a tribunal, o juiz tenta
normalmente ouvir a criança, antes de decidir. Mas,
"nem sempre pode desempatar", refere o antigo juiz
do Tribunal de Família e Menores do Porto, Manuel
Pinto. "Se o pai é católico e a mãe é Testemunha de
Jeová, é ao tribunal que cabe decidir qual a melhor
religião para o filho seguir? Não me parece que
possa ser o tribunal a decidir." Ainda assim, nem
todas as disputas podem ir a tribunal. A lei
determina que só as questões de particular
importância podem ser alvo de apreciação judicial.
Evitar o desgaste dos casais com este tipo de
situação é o motivo mais apontado por juízes,
advogados e psicoterapeutas para justificar esta
opção. Mas também pode estar relacionado com o
"exercício do poder", conforme explica Rui Ferreira
Nunes, psicoterapeuta. A mediação ou terapia
familiar são formas de resolver estes problemas sem
recurso ao tribunal.
No meio dos muitos consensos, existem histórias que
não acabam bem, como a de Gonçalo. A mãe chegou a
dizer que tinha abdicado do seu psicólogo, mas o
filho confessou em tribunal que continuava a ver
dois profissionais. O jovem acabaria internado de
urgência. Hoje luta contra uma neurose
obessessivo-depressiva.