Expresso - 9 Fev 08

Os legisladores compulsivos

Portugal tem leis a mais. Todos o sabem e todos o dizem. No entanto, por um estranho fenómeno, continua a legislar-se cada vez mais, mesmo sobre assuntos ridículos

O Estado criou a ASAE e a ASAE recriou um país diferente daquele que tínhamos. É certo que um país mais limpo e asseado, mas em contrapartida um país ridiculamente vigiado. Como era de esperar, ao fim de algum tempo começaram a chover críticas, a maioria delas razoáveis. As bolas de Berlim não podiam ser vendidas como sempre; as cozinheiras não podiam congelar os salgados, como sempre; alguns produtos regionais não podiam ser consumidos, como sempre.

Então, o Estado teve outra ideia fabulosa: decidiu fazer um levantamento dos produtos tradicionais que necessitem de um enquadramento específico. Foi aprovado esta semana no Parlamento um grupo de trabalho que se dedicará a essa momentosa questão. De acordo com um deputado do PS, esse grupo vai saber quais os produtos que necessitam de condições especiais para a sua produção, transporte ou comercialização normais.

Ou seja, traduzido em português corrente, o grupo de trabalho vai dizer quais os produtos que não ficam sob a alçada dos regulamentos da ASAE - isto é, quais as excepções à regra.

Ora aqui está uma solução engenhosa para o excesso de leis e de regulamentos: fazer mais leis e regulamentos que limitem as leis e regulamentos já feitos. É um encadeado interessante e que, com imaginação, pode ser levado ao infinito.

É extraordinário, num país onde toda a gente sabe e afirma que há excesso de leis, a existência desta espécie de legisladores compulsivos. E a existência das célebres excepções, buracos e contradições legais pelos quais entram o favor, a pequena corrupção, o golpe.

Ninguém aprende com a experiência?