Dona Fernanda, então por aqui? Agora me lembro,
ainda não lhe dei os parabéns pelo seu homem. Vi-o
no concurso da televisão. Que honra! Muitos
parabéns! Fiquei orgulhosa como se fosse meu!
- É verdade, dona Cátia. Estamos muito contentes.
Foi muito bom, até para compensar a desgraça da
minha irmã. Não sabe? Imagine que o marido dela é
administrador de um banco.
- Não me diga! Que vergonha! Mas qual? Daquele
criminoso, o BCP?
- Olhe nem sei bem. Mas aquilo é tudo a mesma gente.
Coitada da minha irmã, anda muito ralada! Felizmente
que o amante está muito bem. Era segurança num bar,
mas agora conseguiu ficar dado como deficiente por
causa de uma sova que levou e o subsídio é
excelente.
- Ainda bem! Que sorte! Olhe, essa sorte não tenho
eu. Ando muito preocupada com o meu sobrinho. Não,
não é com o homossexual. Não, esse está óptimo. Foi
ao estrangeiro casar com o amigo e agora até estão a
pensar adoptar uma criança por lá. O que me preocupa
é o outro, o Zé. Tem um restaurante, imagine. Um
restaurante de luxo.
- Ai, coitado! Em que se havia de meter! E tem tido
muitas queixas?
- Pois. Calcule que nem sequer usava sabão líquido
nas casas de banho e os exaustores são de baixa
extracção. Estou com medo que mais cedo ou mais
tarde acabe na cadeia, pobrezinho!
- Compreendo, compreendo. As ralações que temos! E
então o que é que a traz por cá? Eu vou agora ali à
direcção da escola queixar-me. Veja lá que a minha
filha me disse que lá na escola não há máquinas de
distribuição de preservativos na casa de banho das
raparigas. Só na dos rapazes. Não é uma vergonha?
- Um escândalo. Depois se há problemas a culpa é dos
pequenos! Eu também tenho de lá ir mas,
infelizmente, é derivado ao comportamento do meu
Ronaldinho.
- Não me diga que ainda é por causa da gravidez?
- Não, que ideia. Isso está tudo resolvido. Eles os
dois trataram a questão com muito bom senso. Nem
pareciam ter 13 anos! O aborto correu muito bem e o
meu rapaz até já arranjou outra namorada bastante
mais velha. Não, o que me preocupa é aquele grupo
com que ele anda.
- Qual? A banda de rock satânico? Oh, minha amiga
não se apoquente com isso. Nós lá em casa até
dissemos ao nosso rapaz para criar uma. Antes isso
que andar pelos ATL da paróquia com aqueles beatos a
meter patranhas na cabeças dos miúdos. Na banda é
muito mais seguro e saudável. Não só é artístico,
como abre horizontes e um dia, quem sabe... Olhe,
não me preocuparia nada com isso.
- Não, não é isso. Nós também estamos muito
satisfeitos por ele andar com a banda. É um
excelente meio de educação. Ao princípio ainda me
chocavam um bocado as letras das canções, a falar de
suicídio e sangue, mas agora até acho graça. Rapazes
são rapazes, não é? Não, é muito pior. Ele também
anda metido em coisas mesmo graves com aquele outro
grupo clandestino. Já ouviu falar, não? Aquele grupo
de fumadores que no outro dia até apareceu no jornal
por um deles fumar dentro do metro.
- Que horror! O seu filho fuma? Mas isso faz imenso
mal à saúde e polui o ambiente. Então ele não pensa
no aquecimento global? Esta juventude está perdida!
- Eu sei, eu sei! Tentámos tudo para o afastar do
vício, mas nada. O meu marido até quis ver se o
interessava em blogs pornográficos, chats neonazis e
outras coisas que fossem também um bocadinho
subversivas e clandestinas mas não fizessem tanto
mal. Mas nada! Ele não larga o cigarro! A culpa é do
meu homem e eu já lhe disse. Imagine que quando o
miúdo era pequeno lhe dava pistolas e outros
brinquedos de violência. Claro que tinha de ter esta
consequência, não era?
- Que horror! Imagino como anda apoquentada. E nos
estudos, que tal anda ele? Os meus antigamente era
um castigo. Davam muitos erros de ortografia mas
isso agora, com este novo programa para o insucesso
escolar, deixou de criar problemas porque já não
conta. E, mesmo na Matemática, o que interessa é a
criatividade dos miúdos. Se os professores explicam
mal que culpa têm os pequenos?
- Eu digo o mesmo. Se eles depois acabam todos no
desemprego, ao menos gozem a juventude.