Karl Popper repetiu insistentemente que as
democracias liberais do Ocidente se fundam em
valores morais - sem os quais ficariam à deriva e à
mercê dos seus inimigos
Realizou-se na passada
quarta-feira, em Lisboa, uma sessão de lançamento da
segunda edição em língua portuguesa da obra de Karl
Popper ‘Conjecturas e Refutações’ (Almedina). Sendo
a primeira edição de 2003, é muito significativo que
a editora tenha considerado apropriada uma segunda
edição. É legítimo pensar que há mais leitores de
Popper entre nós do que poderia parecer à primeira
vista. E isso é um sinal encorajador.
Karl Popper (1902-1994) foi um crítico severo e
profundo do dogmatismo e do relativismo. Bertrand
Russell e Isaiah Berlin, entre outros, classificaram
a sua crítica ao marxismo como a mais devastadora
jamais produzida. Em grande parte, isso ficou a
dever-se ao facto de Popper ter mostrado que no
núcleo central do marxismo está o relativismo moral
- associado a um profundo dogmatismo ideológico.
O dogmatismo ideológico de Marx assentava na teoria
alegadamente científica da história. Esta proclamava
que a história tinha um sentido predeterminado - o
comunismo - que Marx teria decifrado. Popper mostrou
que essa teoria não podia ser científica, porque,
não possuindo horizonte temporal definido, não
admitia a possibilidade de ser refutada pelos
factos.
Denunciando o dogmatismo historicista de Marx,
Popper argumentou que o futuro está aberto e
depende, em grande medida, das nossas decisões - em
particular das nossas decisões morais. Marx
desprezara o papel das escolhas dos homens e, em
particular, das escolhas morais: considerava-as uma
“ilusão moralista e burguesa”. Os valores morais
seriam meros produtos da época histórica e serviam
apenas para justificar os interesses materiais dos
homens.
Popper argumentou que este relativismo moral abrira
caminho à tirania comunista, a tirania do capricho,
ou da vontade liberta de qualquer escrúpulo moral. E
sustentou que, quando o comunismo caísse, o seu
principal legado cultural seria o relativismo moral.
A intoxicação ideológica com o dogmatismo
historicista daria lugar - uma vez revelada pelos
factos a fraude do historicismo - ao puro
relativismo.
No fim da vida, tendo ainda assistido ao colapso do
comunismo, Popper considerou o relativismo como a
principal doença intelectual do nosso tempo. E
repetiu insistentemente que as democracias liberais
do Ocidente se fundam em valores morais - sem os
quais ficariam à deriva e à mercê dos seus inimigos.