Os portugueses adoram dar palpites. Os portugueses
têm opinião sobre tudo, mesmo sobre o que não
conhecem. Os portugueses falam pelos cotovelos - e
quando falam não se importam nada de revelar a sua
ignorância. Os portugueses até têm uma frase que
previamente os desculpa pelo que não se inibem de
dizer a seguir: "Eu disso não sei nada, mas acho
que...."
Ouvi muitos portugueses, em Lisboa, dizer que não
percebiam porque se fazia um referendo se já tinha
sido feito um outro referendo - mas ainda assim
tinham opinião e iam votar. Também ouvi dizer que os
homens não de-viam votar porque o tema não era com
eles.
Os portugueses são solícitos e participativos,
costumam dizer os políticos. Se um português
perdesse uma ou duas horas, na semana passada, a
navegar pela blogosfera, encontrava um universo
empenhado a debater forte e feio sobre o referendo e
o que estava em causa. A RTP organizou dois debates
que ocuparam mais de cinco horas de emissão. Há
milhares de páginas de jornal ocupadas com o
assunto. Em rigor, ninguém pode dizer que lhe
faltava elementos para formar uma opinião.
Na verdade, no entanto, mais de metade dos
portugueses eleitores preferiu não se dar ao
trabalho de votar. Os políticos profissionais
desvalorizaram o dado - pudera... -, mas não é
possível ignorar cinco milhões de inscritos que
passaram ao lado do referendo. Cinco milhões...
Entre eles estão muitos dos que adoram dar palpites
e têm opinião sobre tudo, muitos dos que gritam nas
ruas que "os políticos são todos iguais", muitos dos
que protestam, elogiam, opinam e acham que têm
direitos. Até mesmo o direito a contestar a
democracia.
Perante esta grosseira forma de cidadania, apetece
defender a dúbia ideia de "democracia musculada" e
legislar o "voto obrigatório". Ou a penalização de
quem não vota. Confesso que começa a incomodar-me
esta nossa pose liberal muito simpática e "querida"
do voto como "dever cívico". A realização de
eleições e referendos custa dinheiro e esforço ao
país e responde a uma ideia de regime que presume a
participação dos cidadãos. Se insistimos no "porreirismo"
do voto livre, sujeitamo-nos ao pior do regime:
ninguém cumpre os seus deveres de cidadania, mas
todos têm exigências a fazer. Parece-me que está na
altura de abrir este outro debate: não deveremos
instituir aqui, como em países civilizados (a
Bél-gica), ou que sofrem do mesmo défice de
cidadania (o Brasil), o voto obrigatório?