Pretender que os eleitores
precisam de 24 horas absolutamente livres de
informação sobre a campanha para meditar no voto que
hão-de fazer é atribuir-lhes limitada capacidade de
discernimento e fraca consistência na formação de
opinião
O fenómeno é velho e global. Os
legisladores tendem, muitas vezes, a tratar os
cidadãos como seres globalmente diminuídos, que em
inúmeras áreas precisam de uma protecção especial do
Estado que, com paternalismo, lhe há-de ser dada
pelas leis e pela sua aplicação.
Daqui até aos exageros na função reguladora do
Estado vai um passo. Esta, que é importante e tende
a constituir-se crescentemente como a função central
do Estado, pode tornar-se num pesadelo, quando é
levada longe de mais.
Também é frequente verificar-se que algumas regras
impostas pela lei se tornam obsoletas com a mudança
dos tempos. Numa época de aceleradas transformações
sociais, culturais e tecnológicas, como nas duas
últimas décadas, esse divergir é ainda mais evidente
em muitas áreas.
Que o digam, por exemplo, os regimes políticos a
quem a Internet tirou eficácia no controlo da
informação que chega aos seus cidadãos. Ou a
indústria de entretenimento, que está em fase de
profunda adaptação à facilidade com que hoje se
violam os direitos de autor com uma cópia de um CD
ou DVD. Ou ainda os países, como Portugal, que têm
leis que limitam o negócio do jogo a entidades
devidamente autorizadas e assistem, com impotência,
à proliferação de sistemas de apostas globais
on-line que são legais num qualquer sítio do mundo.
O convencionado dia de reflexão pré-eleitoral, que
hoje volta a cumprir-se em Portugal, é mais um filho
desses fenómenos. Como o era, até ter acabado há
poucos anos, o prazo de uma semana de jejum de
sondagens que tinha que haver antes de cada acto
eleitoral.
É provável que já tenha feito sentido nos primórdios
da democracia, quando os debates eram mais acesos,
as diferentes opções políticas mais extremadas e a
comunicação social mais politizada e militante.
Mas hoje deixou de ter utilidade. A propaganda e
informação publicada estão disponíveis na Internet
para quem queira consultá-la, os e-mails e os SMS
permitem chegar aos eleitores de forma massificada e
anónima, atrapalhando a pacata reflexão. Mas,
sobretudo, os eleitores são adultos e mais sensatos
e ponderados do que, por vezes, muita gente quer
fazer crer. Pretender que precisam de 24 horas
completamente livres de ruído para meditar no voto
que hão-de fazer é atribuir-lhes limitada capacidade
de discernimento e fraca consistência na formação de
opinião. E, que se saiba, a qualidade de uma
democracia não depende da maior regulamentação das
campanhas eleitorais.
Também não deixa de ser um contra-senso que, em nome
de condições pretensamente laboratoriais de voto -
primeiro duas semanas de intensa campanha, depois um
dia sem qualquer informação para tudo digerir,
depois decidir e por fim votar -, se sacrifique o
pleno esclarecimento dos eleitores, que nunca vêem
reflectidas nos jornais a análise das importantes
últimas 24 horas de campanha.
Intimamente, e depois de longas semanas de campanhas
ruidosas, podemos até gostar da paz mediática
proporcionada por um dia em que não se pode fazer
propaganda eleitoral. Se esse espírito for levado ao
extremo acabam-se simplesmente as barulhentas mas
essenciais campanhas eleitorais. E isso decerto
ninguém defende. Paulo Ferreira