Nenhuma varinha de condão fará acabar o aborto
clandestino. O Serviço Nacional de Saúde não tem
condições para concretizar o paraíso prometido pela
pergunta que vai a referendo." Esta frase valeu
várias palmas a Marcelo Rebelo de Sousa num jantar
ontem organizado em Lisboa por iniciativa do
movimento Independentes pelo Não. Um jantar em que
participou o pedopsiquiatra Pedro Strecht, que votou
"sim" no referendo de 1998. "Para mim, nesta fase,
os argumentos do 'não' são mais válidos do que os do
'sim'", justificou Strecht ao DN.
Marcelo era a figura mais aguardada pelos 180
participantes: fez-se esperar na noite chuvosa e
quando chegou desdobrou-se em cumprimentos. A Maria
do Rosário Carneiro, deputada independente pelo PS.
À fadista Kátia Guerreiro, que foi mandatária de
Cavaco Silva para a juventude. Ao treinador do
Benfica, Fernando Santos. À escritora Maria João
Lopo de Carvalho. E ao estado-maior do PSD, que
estava quase em peso - do vice-presidente Azevedo
Soares ao secretário-geral Miguel Macedo, passando
pelo líder parlamentar, Luís Marques Guedes. Só
faltou o presidente, Marques Mendes.
Mesmo a propósito, Marcelo acentuou que a escolha
neste referendo não é entre Governo e oposição,
observando que esta campanha se tem "partidarizado e
governamentalizado de mais". Lembrou que uma figura
histórica da esquerda portuguesa, a falecida
ex-primeira-ministra Maria de Lurdes Pintasilgo,
apelou ao voto "não" no anterior referendo,
realizado em 1998.
Marcelo aludiu a várias perguntas que lhe têm sido
feitas pelos seus alunos do curso de Direito para
fazer esta síntese: "Quem entender que não há vida
dentro de uma mulher grávida até às dez semanas, ou
faz de conta que essa vida não existe, vota sim;
quem entender que os dois valores - a vida do feto e
o interesse da mãe - devem ser ponderados, vota
não."
Para o comentador, uma eventual vitória do "sim"
liberalizará o aborto "sem nenhuma causa, sem nenhum
fundamento, sem acompanhamento prévio ou período de
reflexão", durante as dez primeiras semanas de
gestação. E sem acabar com o aborto clandestino,
pois o Serviço Nacional de Saúde "nem tem capacidade
de resposta para atender aos casos previstos na lei
actual".
No jantar falou também Rosário Carneiro, que - tal
como Marcelo - defende a despenalização das mulheres
sem que o aborto deixe de ser crime: "Se digo 'sim',
protejo a mãe mas ignoro o filho; se digo 'não',
defendo o filho e tenho o dever de promover medidas
reparadoras à mulher."