O que preocupa a Teresa é a hipocrisia. A sua
argumentação pode resumir-se na frase: "Eu não faria
um aborto, mas não posso impor a prisão para quem o
faz." Mas esse era o argumento dos esclavagistas:
"Tu não és obrigado a ter escravos, se quiseres
podes não os ter. Mas deixa-nos a nós, que queremos,
mantê-los." Hipocrisia era manter dois tipos de
seres humanos, os escravos e os não escravos. A
mesma hipocrisia é, hoje em dia, manter dois tipos
de seres humanos: os antes e os depois das dez
semanas
Teresa de Sousa, jornalista conceituada pela qual
tenho grande respeito, lançou um processo de
intenções à Igreja Católica devido à posição desta
no referendo ao aborto. Em conclusão e síntese,
disse: "Não é a vida que a Igreja quer proteger. É
apenas o dogma. Porquê? Para manter o seu poder
sobre a sociedade e sobre as consciências."
Devo dizer que estou na Igreja Católica há pouco
mais de 20 anos e nunca vi nela um projecto de
poder, seja ele político, social, religioso,
psicológico ou espiritual. Se o visse ou sequer o
vislumbrasse, ter-me-ia ido embora imediatamente, e
o mesmo teria certamente acontecido com os milhões
de pessoas que seguiram Jesus Cristo através da sua
Igreja durante os últimos 2007 anos.
Vi, nessa Igreja, vontade de servir o próximo
elevada a expoentes que para mim eram impensáveis.
Vi vontade de mudar em pessoas com feitios
incríveis, egoísmos encarcerados e egos elevados à
potência. Vi pessoas literalmente renascerem de
angústias pessoais e existenciais que pareciam
insuperáveis. Vi pessoas que conseguiram sobreviver
a dramas incríveis e manter a sanidade mental e
ainda a capacidade de dar.
Vi e senti na pele que essa Igreja não muda nada da
vivência humana, excepto uma coisa: o sentido para a
vida e para o sofrimento. E isso muda tudo.
Parece-me que aquilo que verdadeiramente preocupa a
Teresa não é a Igreja, porque não a conhece. Do seu
texto vê-se claramente que nunca a experimentou. Ou
se calhar experimentou mas não conseguiu separar as
fragilidades humanas daquilo que é verdadeiramente
divino. Diz-se que Napoleão certa vez chamou o bispo
de Paris para lhe dizer que queria acabar com a
Igreja Católica. Ao que este teria respondido: "Mas
como, se nem nós conseguimos dar cabo dela?"
Esta consciência da nossa fragilidade e dos nossos
defeitos é o que torna, paradoxalmente, atractiva a
pertença à Igreja. Porque ninguém te poderá expulsar
dela, por maior que seja a porcaria em que tenhas
tornado a tua vida.
O que preocupa a Teresa é a hipocrisia. A sua
argumentação pode resumir-se na frase: "Eu não faria
um aborto, mas não posso impor a prisão para quem o
faz." Mas esse era o argumento dos esclavagistas:
"Tu não és obrigado a ter escravos, se quiseres
podes não os ter. Mas deixa-nos a nós, que queremos,
mantê-los." Hipocrisia era manter dois tipos de
seres humanos, os escravos e os não escravos. A
mesma hipocrisia é, hoje em dia, manter dois tipos
de seres humanos: os antes e os depois das dez
semanas.
Mantenho o meu respeito pela Teresa. Fez-me ver
melhor aquilo a que eu pertenço. Mas tenho pena se,
por causa do seu preconceito, está a perder todo o
bem que a Igreja tem para lhe dar. Mas não será isso
uma consequência da liberdade humana? E a liberdade
"é o maior dom que os céus concederam à terra".
Católico, jurista