No referendo do aborto, vou votar "não". Em primeiro
lugar (e sobretudo), porque detesto esta nossa
maneira de ser que, incapaz de assumir, enfrentar e
resolver os problemas, se desculpa sistematicamente
com a lei. A lei espanhola não é igual à actual lei
portuguesa? Então por que razão os defensores do
"sim" estão sempre a dar a Espanha como exemplo? Se
a lei é a mesma (o que é crime em Portugal é crime
em Espanha e vice-versa), forçoso será concluir que
o que se tem de mudar não é a lei, mas as pessoas.
Consequentemente, o referendo devia propor não a
mudança da lei, mas a substituição dos portugueses
pelos espanhóis.
Em segundo lugar, porque considero mais grave, em
termos de conduta, uma mulher fazer um aborto, sem
qualquer justificação, do que um jovem andar de
scooter sem carta, um espectador chamar "filho da
mãe" ao árbitro ou um automobilista matar uma lebre
na estrada. E se, em Portugal, tudo isto é crime
(somos, aliás, um país de criminosos porque qualquer
um de nós já cometeu algum destes crimes, mesmo que
não tenha sido apanhado e julgado por eles), não
compreendo como "fazer um aborto, apenas porque me
apetece", pode deixar de o ser. E tem alguma lógica
a mulher poder abortar livremente até às dez semanas
e ser julgada e condenada se o fizer às dez semanas
e um dia? Ou seja, para os defensores do "sim", a
vida começa às dez semanas e um dia... Milagre!
Em terceiro lugar, porque considero escandaloso que
este Governo queira transformar o aborto no único
método anticonceptivo comparticipado pelo Estado. O
Estado não tem dinheiro para os doentes, para os
métodos anticonceptivos, para o apoio à maternidade,
mas para pagar os abortos já vai ter... Não tem
dinheiro para apoiar as pequenas e médias empresas,
mas para financiar as clínicas de abortos já vai
ter... É uma vergonha!
Santana-Maia Leonardo (Advogado)
Ponte de Sor