Manuel Pinho voou para a China, país da mão-de-obra
paga a preço de trabalho escravo, e pediu que
viessem investir em Portugal, porque por cá a
mão-de-obra é barata! É o Camões do miserabilismo
(tão bem representado no Governo) perdido no
Oriente, a anunciar as desgraças que ele próprio
potencia. Com tão grande inspiração, melhor estaria
por cá, na campanha do referendo onde a asneira é
livre e ninguém leva a mal.
Porque este é cada vez mais o referendo de todos os
equívocos. Do princípio ao fim. O 1.º equívoco foi o
de nos fazerem crer que as questões relacionadas com
o aborto só por referendo poderiam ser resolvidas.
Sócrates, que tanto deseja o aborto livre e não
passa um dia sem reclamar o ‘sim’, não quis resolver
o problema, porque a solução o colocaria em
confronto directo com o Presidente a República,
única pessoa que ele nunca afrontará neste País.
O 2.º equívoco é que a questão a que temos de
responder (constitucionalíssima, pois então!) é já
de si uma fraude. E não é por acaso. É porque os
seus autores (pertencentes a todas as áreas
políticas), de tanto desejarem que nada acontecesse
e recearem o confronto com as verdadeiras questões
que o aborto levanta, a quiseram assim. Confusa.
Enganosa. Limitada.
E, por isto tudo, polémica. Para encobrir a
asneirada. Os autores da pergunta não queriam
soluções. Queriam bagunça e conseguiram-na. Seja
qual for a resposta neste referendo, a solução será
sempre geradora de novas perplexidades e problemas.
Por isso temos ‘sins’ e ‘nãos’ para todos os gostos.
Não é só o ‘não’ de Marcelo Rebelo de Sousa que é
heterodoxo. São-no quase todos os ‘sim’ e muitos
outros ‘não’. Sendo definitivamente pela
despenalização, também nós, muito heterodoxamente,
nos sentimos profundamente incomodados com as más
companhias.
Com os opinadores que só opinam mentiras e apontam
falsas pistas. Onde até professores universitários,
jacobinos retardados, pontificam. Os aldrabões que
até quando parecem esclarecer são profundamente
artificiosos e nada sérios. E que nos empurram para
uma demarcação muito clara por não desejarmos
misturas com esta casta intelectualmente inimputável.
A chefe de claque do ‘sim’, Edite Estrela é (disse-o
ela) contra o aborto.
Mas a sua heterodoxia dá-lhe forças para todos os
malabarismos. Para os quais pede sempre, no final do
seu número, a gentil colaboração do ilustre público!
Há melhor heterodoxia?
É pena que Marcelo Rebelo de Sousa não tenha tido a
coragem de explicar devidamente que não é excepção
nas suas opções heterodoxas. Ele, mau grado as suas
profundas convicções éticas e religiosas (que são,
afinal, as únicas que merecem respeito), como muitas
dezenas de milhares de portugueses, está farto. Sabe
que a penalização é uma farsa. Que abortos
(penalizados ou não) continuarão a fazer-se
clandestinamente. Que grande parte deles se farão
sempre para além das dez semanas. E que, só por
isso, já seria aconselhável despenalizá-los. Mas
permitir a despenalização, juridicamente (única
vertente em discussão), é só isso.
E pode nada ter a ver com quaisquer outras
considerações. Mas, nas suas consequências, nunca
será só isso. Como sabem todos os menos
recomendáveis ‘ortodoxos’ do ‘sim’ que a seu tempo
reclamarão o pleno.