Público - 17 Fev 06

 

Escolher a escola

Eduardo Marçal Grilo

 

Para quem acompanha os debates que têm vindo a ocorrer em Inglaterra e nos Estados Unidos sobre as políticas destinadas a melhorar a qualidade do ensino nas escolas, há um tema de relevância especial que tem prendido a atenção de decisores e comentadores. Trata-se de uma matéria que tem grande complexidade, sobretudo no seu modo de concretização, e relaciona-se com o designado "direito de escolha" por parte dos pais e dos alunos, ou seja, a possibilidade de se optar pela inscrição numa escola qualquer do ensino não superior sem sujeição ao procedimento que decorre da matrícula obrigatória na "escola de proximidade" que pertença à rede pública.
O que no fundo está a ser introduzido, quer nos Estados Unidos quer em Inglaterra, é um novo conceito de escola pública concebido para fomentar escolas mais autónomas, mais responsáveis e mais capazes de responder às exigências de um ensino de qualidade.

2. Em Portugal este debate está por fazer, mas importa que se faça, uma vez que se trata de políticas e de alterações que podem modificar de forma significativa, e para melhor, a qualidade do ensino nas escolas da rede pública. Para este debate, é, no entanto, necessário que à partida se definam os "termos de referência" que me parecem essenciais para se poderem atingir resultados satisfatórios.
Em primeiro lugar, é imperioso que, à semelhança do que ocorre no Reino Unido, se abandonem conceitos ideológicos muito marcados. Por um lado, os que defendem um conceito de escola pública, que vem de Jules Ferry ou o que assenta nos princípios da american public school, ambos originários do séc. XIX, deveriam abandonar estes modelos cujos pressupostos estão hoje manifestamente desajustados em relação ao momento actual. Note-se que a escola pública francesa tinha o objectivo de combater o excesso de ensino confessional que existia ao tempo e a public school americana foi concebida como elemento de coesão das comunidades que eram constituídas essencialmente por imigrantes que pouco tinham culturalmente em comum. Por outro lado, os que defendem uma rede escolar assente apenas nas regras do mercado e da competição deverão também aceitar que, em Portugal e à semelhança do que ocorre nos Estados Unidos ou em Inglaterra, há lugar para uma escola pública e que não será possível nunca aplicar aqueles modelos teóricos que se experimentam em pequenas comunidades, mas que perdem sentido quando alargados para cobrir globalmente uma população que é hoje muito diversificada do ponto de vista cultural, económico e social.

3. Em conclusão, o que me parece importante é iniciar o debate, sem constrangimentos e de forma séria, com propostas concretas e sem esquecer alguns pontos essenciais de que me permito enunciar alguns que me parecem mais relevantes:
a) A necessidade de criar um sistema de escolha que se não aplique apenas à classe média, mas que também tenha em conta os meios precários com que vivem largos extractos da nossa população;
b) A importância que deve ser atribuída ao cumprimento de uma escolaridade obrigatória universal e gratuita;
c) O papel que devem desempenhar os pais, embora se torne indispensável, à semelhança do que vai ocorrer em Inglaterra, que existam estruturas intermédias destinadas a racionalizar e articular a procura por parte dos pais e das famílias quando esta é desequilibrada em relação às capacidades de acolhimento por parte das escolas;
d) A certeza de que todos têm direito a uma escola de qualidade, o que implica uma avaliação séria do funcionamento das escolas e uma responsabilização por parte de quem administra e as gere, nomeadamente o Governo central, as autoridades locais (que no caso português terão de ser reequacionadas) e os próprios professores das escolas cuja avaliação e acompanhamento se tornam indispensáveis;
e) No Child Left Behind é o título da legislação americana que enquadra estas matérias, o que quer dizer que quaisquer que sejam as políticas e os modelos a adoptar é absolutamente indispensável que os menos favorecidos, aqueles que mais dependem (e vão continuar a depender por maiores que sejam os desejos dos ultraliberais) do Estado e das suas instituições, não se vejam arredados das melhores escolas, o que significa que o grande objectivo será o de "nivelar as escolas por cima" através de maiores níveis de exigência, mas também através da criação de incentivos e de instrumentos que premeiem quem faz e punam quem não cumpre e devia cumprir;
f) É necessário deixar as escolas elaborar os seus próprios projectos e incentivá-las a conduzir esses mesmos projectos apoiando-as e dando-lhes os meios indispensáveis (a este propósito convém sublinhar que o estafado discurso da "falta de condições" que tem sido adoptado por tantos de forma tão abusiva é muitas vezes uma demonstração de desinteresse por parte de alguns professores que preferem a crítica fácil ao trabalho responsável, inovador e criativo);
g) Seria ainda da maior importância que às escolas, no âmbito dos incentivos a criar, fossem definidas áreas específicas do conhecimento a que seriam atribuídas prioridades acrescidas, por exemplo no ensino da Matemática, das Ciências Experimentais, da Língua Portuguesa ou da História.

4. O debate em Inglaterra foi vivo e intenso, muitas vezes até ideológico, mas, como sempre, pautou-se por um enorme pragmatismo característico dos anglo-saxónicos. Não há qualquer razão para que o nosso debate e as nossas soluções não possam igualmente caracterizar-se por posições sérias, construtivas e exequíveis. Não é um tema fácil, como já afirmei, mas é uma matéria que é indispensável começar a discutir para além dos manifestos, das críticas fáceis, dos modelos importados e das ideias feitas em relação às questões da Educação.

Nota final - Faço este escrito apenas porque continuo a considerar, ao contrário de alguns, que a Educação é uma área fundamental a que as sociedades organizadas devem atribuir alta prioridade e não um adorno de consumo que aparece depois de se terem resolvido os problemas do crescimento económico e do desenvolvimento. A esses que assim pensam por se terem deixado aprisionar pelas lógicas da sociedade industrial, recomendo a leitura do último livro de um economista insuspeito, o professor Benjamin Friedman, que se intitula The Moral Consequences of Economic Growth. Não é necessário lerem todo o livro, basta as páginas sobre educação e desenvolvimento. Antigo ministro da Educação, Houston - Texas

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