Diário de Notícias - 15 Fev 06
Subir a montanha
e ficar lá
Os perfis publicados por toda a imprensa, nos últimos dias, sobre Belmiro de
Azevedo e o seu filho Paulo Azevedo, coincidem em princípios e modos de estar
dos dois gestores. Parece óbvio que são homens de coragem e convicção - mas não
"praticam" essas qualidades com arrogância nem altivez. E a atitude faz toda a
diferença. As grandes histórias de sucesso estão quase sempre associadas a este
complemento directo a força, a coragem, a determinação só resultam quando
acompanhadas de alguma humildade. As histórias de fracasso (com um "passado
prometedor"...) têm sempre essa marca fatal da arrogância, da soberba, do
sorriso cínico no momento da glória.
O problema chega depois, quando se percebe que o sucesso é efémero se não
tivermos a capacidade de reconhecer diariamente que a liderança não é um posto,
mas um lugar por onde se passa - e nem sempre se fica.
O que se vive actualmente no panorama da televisão generalista pode constituir
um case study deste conjunto de lugares-comuns que escrevi. A sobranceria
monopolista da RTP na entrada da década de 90 foi esmagada em poucos anos pela
audácia da SIC. Por sua vez, a altivez da SIC numa desafogada liderança das
audiências ao fim de poucos anos terá sido um "doce" para a vitória de uma
estratégia meticulosa (e ousada - ninguém, no seu perfeito juízo, admitiria há
cinco anos que novelas portuguesas venceriam a hegemonia da Rede Globo) da TVI.
O que se passa hoje nos três canais principais é o resultado do mesmo erro
repetido à exaustão "Uma vez chegados ao topo, não voltamos atrás." Pois não: a
descida que se segue é do outro lado da montanha. Mas é a descer "na mesma"...
A língua portuguesa, ao contrário do que é hábito dizer-se, não é traiçoeira. É
rigorosa. Quem a atraiçoa somos nós, que confundimos significados, sinónimos,
metáforas, e usamos indiscriminadamente as palavras, como se fossem todas
iguais. Não são.
Convicção não é sinónimo de arrogância. Coragem não é o mesmo que soberba.
Empreender não é arrasar. As palavras são diferentes, como as atitudes. RTP, SIC
e TVI têm algo a aprender com o "homem Sonae" a arrogância e a presunção são
fatais a uma liderança sólida. Porque cegam os que não percebem que, depois de
subir a montanha, o maior perigo é mesmo descê-la pelo lado oposto.
 |