Público - 13 Fev 06

As velhas novidades

António Bagão Felix

O estilo é eficiente: anuncia-se primeiro uma intenção, mais tarde um projecto, e caso passem esta fase, a seguir a aprovação genérica em Conselho de Ministros e, por fim, se for o caso disso, a aprovação na especialidade. Alguns jornalistas e muitos leitores ou espectadores ficam, assim, com a ilusão da multiplicação... Tudo isto num ambiente de bonomia e complacência mediáticas e de oposição "au ralenti", se não mesmo em ponto morto. Onde para o PSD? Adormeceu como nos contos de fadas?

1.Assistiu-se nas últimas semanas, a um conjunto de notícias apresentadas como "grandes novidades" que, ofegante e generosamente o Governo nos concedeu e a comunicação social avidamente divulgou.
Os "memorandos de entendimento" assinados em catadupa nos dias que antecederam a eleição presidencial (o que se diria, nos media, se fosse com o Governo anterior!), foram uma macedónia habilmente preparada de esquissos, anteprojectos, projectos de projectos, intenções, repristinações requentadas e, vá lá, um ou outro mais perto da realidade de concretização.
Esta torrente esmagadora desembocou no grande filantropo Bill Gates que cá foi recebido e condecorado com todas as honrarias de um verdadeiro "Chefe do Estado Microsoft". E assistimos a mais uma carga pesada de "memorandos de entendimento", uma espécie de "milagre" de multiplicação de acções de venda ao domicílio "oferecidas" por uma benemérita entidade.

2. Mais recentemente, outra grande novidade, nascida de uma manchete de um jornal diário especializado em economia e seguido pela abertura dos telejornais: o cancelamento e devolução dos benefícios fiscais por parte de contribuintes relapsos. Mais uma notável medida inovadora, pensarão os menos avisados!... Mas, de facto, facilmente se pode verificar que a novidade afinal já é velha. Em Outubro de 2002 e no OE de 2005 (lei 55-B/2004) foi acrescentado ao Estatuto dos Benefícios Fiscais o artigo 11º-A que reza assim:
"1 - Os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não poderão ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, tal situação só será impeditiva do reconhecimento dos benefícios fiscais enquanto o interessado se mantiver em incumprimento e se a dívida em causa, sendo exigível, não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição e prestada garantia idónea, quando devida"

3. Manda a verdade dizer que, no meio de tantas "novidades", houve algumas importantes e no bom sentido. Cito três: a possibilidade de passar a ser a Administração Fiscal a preencher a declaração do IRS. Os resultados bastante positivos da eficiência fiscal de 3,3 poor cento em 2005 mesmo superiores aos 2,2 por cento de 2004 (a que certamente não é alheia a "pesada herança" de os dois Governos anteriores terem nomeado e mantido o actual director-geral dos Impostos. Lembram-se do que disse o PS na oposição?). E, no plano da Saúde, o excelente projecto de acordo para controlo e congelamento dos preços dos medicamentos entre o Ministério da Saúde e a indústria farmacêutica.

4. Também com pompa e circunstância, foi anunciado - e cito as notícias - o primeiro (sublinho: o primeiro!) "Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiência"! Bem ou mal, não é o primeiro. Já houve vários e infelizmente não vai ser o último. Mas o que é certo é que assim se concretizou mais uma acção de pura propaganda como se tivesse sido descoberto algo de novo onde já tudo está dito e escrito em intenções e medidas, mas ainda tanto há por fazer. Dias depois, o jovem Secretário de Estado da Segurança Social anunciou um sistema informático único. Por certo, o SE sedento de apresentar serviço, sabe bem quando e como se tomou a medida de estruturação de um só sistema! Curioso o tique de alguns governantes: se algo está mal, a culpa é toda de antes, dos outros; se algo está a melhorar a razão é toda só de agora, deles.

5. Também o Ministério da Educação não pára: agora é a introdução do ensino musical no ensino básico, novidade logo negada por quem sabe e, a seguir, o projecto de passar para as escolas a definição das actividades dos tempos livres, assunto que, por tão inovatório (!), teve honras de telejornais. Aliás, no mesmo dia, dei-me ao trabalho de contar os projectos ou plano (não acções concretas) que foram televisionados: nove! É uma fartura!

6. O estilo é eficiente: anuncia-se primeiro uma intenção, mais tarde um projecto, e caso passem esta fase, a seguir a aprovação genérica em Conselho de Ministros e, por fim, se for o caso disso, a aprovação na especialidade. Alguns jornalistas e muitos leitores ou espectadores ficam, assim, com a ilusão da multiplicação... Tudo isto num ambiente de bonomia e complacência mediáticas e de oposição "au ralenti", se não mesmo em ponto morto. Onde para o PSD? Adormeceu como nos contos de fadas?
Enquanto o marketing político avança com mestria e colaboração, já não se fala do "milagre" do défice público de 2005 vir a ser superior ao de 2004, em termos de comparação homogénea, apesar da passagem do IVA para 21 por cento (esta sim, uma receita extraordinária não neutra economicamente)!
E, mais grave, não é notícia nem faz parte do debate nacional, o desequilíbrio dramático a que se chegou: é que para crescermos 0,3 por cento, tivemos que nos endividar externamente num montante próximo de nove por cento do PIB. E o défice da balança comercial aumentou 11,8 por cento (!) de Novembro de 2004 para Novembro de 2005, segundo o INE.
Assim vai o país, cada vez com mais novidades! Ex-ministro da Solidariedade Social e ex-ministro das Finanças

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