Público -
11
Fev 06
Estatutos são hoje apresentados
Mulheres unem-se e criam associação para a
preservação do útero
Joana Ferreira da Costa
Mais de 150 portuguesas foram submetidas
a técnica inovadora
no tratamento de miomas
Quando aos 36 anos lhe disseram que
teria de tirar o útero, Teresa Gonçalves não queria
acreditar. Recusando a "amputação" e o fim da
possibilidade de ter filhos, esta advogada do Porto
descobriu que em Portugal havia uma técnica alternativa
para resolver o problema dos miomas que lhe cresciam no
corpo. Hoje prepara-se para criar a Associação das
Mulheres para a Preservação do Útero, cujos estatutos
serão apresentados em Lisboa.
Quando as dores fortes de barriga e hemorragias a
levaram à ginecologista, os exames foram claros. Teresa
tinha três fibromiomas (tumores benignos) nas paredes do
útero: um de 12 centímetros, outro de dez e outro de
sete. "A ginecologista não me deu alternativas e disse
que tinha de avançar com a histerectomia [extracção do
útero]. Procurei mais dois especialistas e todos
confirmaram o diagnóstico."
Foi por acaso, quando procurava informação na Internet,
que Teresa descobriu que existia uma técnica alternativa
de tratamento dos fibromiomas. "Ao contrário da
histerectomia, não implicava uma amputação nem uma
esterilidade irreversível e era praticada nos EUA ou no
Canadá [desde a década de 90]."
Teresa Gonçalves tornou-se, em Março do ano passado, uma
das primeiras mulheres sujeitas em Portugal à chamada
embolização das artérias uterinas para tratamento de
miomas. A técnica é simples: passa pela obstrução dos
vasos sanguíneos que irrigam o fibromioma, impedindo que
ele continue a receber sangue e a crescer. "A
intervenção é feita com anestesia local e demora em
média menos de uma hora. É segura e eficaz em mais de 90
por cento dos casos", explica João Martins Pisco,
director do serviço de radiologia do Hospital Pulido
Valente e professor na Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Nova de Lisboa. A sua equipa é a única no
país a fazer este tratamento.
Até agora mais de 150 mulheres foram sujeitas a esta
técnica no hospital privado de St. Louis, em Lisboa, mas
a intervenção não está disponível a todas as bolsas
(custa cerca de quatro mil euros). "Tem de ser mais
divulgada como alternativa e devia ser subsidiada pelos
seguros de saúde e ser praticada nos hospitais
[públicos]", defende a advogada. É isso que pretende
conseguir com a nova associação que hoje será
apresentada numa reunião no hospital lisboeta e onde
além de doentes tratadas vão estar ginecologistas -
entre eles o pai do primeiro bebé proveta português,
Pereira Coelho, que falará no encontro.
Obstruir vasos sanguíneos
"Muitas mulheres desconhecem que esta técnica, praticada
por radiologistas de intervenção, é uma alternativa
segura e eficaz em mais de 90 por cento dos casos",
defende Martins Pisco. "Há milhares de histerectomias
realizadas inutilmente", lamenta.
Apesar dos fibromiomas serem uma das principais causas
das consultas de ginecologia e atingirem entre 20 a 40
por cento das mulheres depois dos 35 anos, a técnica em
causa é desconhecida de muitos especialistas ou encarada
com cepticismo.
Não é o caso de Catarina. Deitada na marquesa da sala de
raios X, a ginecologista veio de longe para tentar
resolver um problema para o qual os colegas só viam uma
solução: tirar o útero. Não se conformou e foi adiando a
intervenção. Soube da técnica por amigos, aprofundou o
assunto em artigos na Internet, marcou consulta e um mês
e meio depois está na sala a ser anestesiada.
Recebeu uma anestesia local na virilha e aguarda que a
intervenção comece. A técnica consiste na introdução de
um cateter nas artérias uterinas pelo qual é introduzido
um contraste que permite "iluminar" o caminho a seguir.
Depois, com uma seringa, injectam-se pequenas partículas
que vão obstruir os vasos sanguíneos que irrigam e
alimentam os fibromiomas.
Apesar de os sintomas serem aliviados praticamente de
imediato, os miomas vão progressivamente diminuindo de
tamanho, mas não desaparecem totalmente. "Ao fim de seis
meses diminuem para cerca de 50 por cento das dimensões
iniciais e ao fim de um ano para 90 por cento", diz
Martins Pisco, o que é possível confirmar mediante
ressonância magnética. "As mulheres podem ter alta no
mesmo dia e regressar ao trabalho ao fim de dois a cinco
dias", conclui. Das mais de 150 doentes operadas, seis
tiveram de repetir o procedimento e apenas uma destas
não ficou satisfeita, conclui Martins Pisco.