Público - 17 Fev 04
Mais Dinheiro para a "Estratégia de Lisboa", Menos para as Auto-estradas
Por ISABEL ARRIAGA E CUNHA, Bruxelas
Portugal vai ter de reorientar os fundos estruturais comunitários de apoio
ao seu desenvolvimento para o reforço da qualificação dos recursos
humanos,
investigação científica e inovação, de modo a diminuir o peso das estradas
e
auto-estradas nos financiamentos da União Europeia (UE). Esta orientação
vai
ser defendida pela Comissão Europeia na nova reforma dos fundos
estruturais
que vai acompanhar o novo quadro orçamental plurianual da UE entre 2007 e
2013 - as "perspectivas financeiras" - cujas propostas apresentou na
semana
passada aos governos dos Quinze.
Bruxelas espera que a reorientação dos fundos do capital físico para as
políticas destinadas ao reforço da competitividade da economia comunitária
que foram definidas como prioritárias pelos líderes da UE na cimeira de
Lisboa, em 2000, poderá convencer os países que mais contribuem para o
orçamento comunitário a aceitar um reforço de 30 por cento dos montantes
dos
fundos estruturais depois de 2007 face aos valores actuais.
O nome de Portugal tem sido invocado em privado por vários países ricos
para
defenderem a tese de que a coesão económica e social - a denominação da
política comunitária de apoio ao desenvolvimento dos países mais
desfavorecidos - não garante a convergência das respectivas economias, ou
seja, a aproximação do seu nível de riqueza face aos restantes estados
membros. Esta referência resulta dos indicadores de desenvolvimento do
país,
nomeadamente em termos de produtividade do trabalho ou dos níveis de
ensino,
em que Portugal permanece largamente na causa da Europa, atrás dos dez
países com níveis de riqueza muito inferiores que vão aderir em Maio.
No "relatório sobre a coesão" que vai apresentar amanhã aos governos
analisando os progressos conseguidos nesta frente, Bruxelas precisa que as
transferências dos fundos representaram mais de 2,5 por cento do Produto
Interno Bruto (PIB) português durante o actual quadro orçamental
plurianual
entre 2000 e 2006, e induziram um acréscimo de 8 a 9 por cento do
investimento (valores idênticos ao da Grécia).
Problema de Portugal não é má aplicação
"O problema de Portugal não é nenhuma má aplicação dos fundos
estruturais",
explica um responsável europeu. "O problema de Portugal é que os fundos
foram provavelmente concentrados de forma excessiva na região de Lisboa, e
em estradas e auto-estradas", justificou. A partir de agora, defendeu a
mesma fonte, "vai ser preciso diversificar os investimentos e orientá-los
mais para a investigação científica, a inovação , o apoio às pequenas e
médias empresas, o ambiente ou o ensino", ou seja, precisamente os
objectivos da "estratégia de Lisboa".
Bruxelas propôs aos Quinze um aumento de 30 por cento dos fundos entre
2007
e 2013 face aos valores previstos entre 2000 e 2006, de modo a obter um
valor global de 336 mil milhões de euros para apoiar o desenvolvimento dos
dez novos estados membros sem diminuir as ajudas das actuais regiões
pobres.
Deste montante, 78 por cento - 262 mil milhões - será canalizado para as
regiões mais pobres classificadas no chamado "objectivo um" dos fundos,
que
permite ajudas muito elevadas nas regiões elegíveis . Dois terços deste
montante será por seu lado atribuído aos dez novos estados membros,
ficando
o restante para os actuais "pobres", incluindo todas as regiões
portuguesas
com excepção de Lisboa, Algarve e Madeira.
Outros 18 por cento - 47 mil milhões - serão destinados ao "objectivo
dois"
dos fundos, para as regiões de nível de desenvolvimento intermédio e que
se
debatem com dificuldades de natureza industrial, urbana ou rural -
incluindo
Lisboa. Neste caso, as ajudas serão canalizadas para o reforço da
competitividade regional e do emprego, e terão de obedecer a um "menu
obrigatório", ainda segundo o mesmo responsável: luta contra a exclusão
social, desenvolvimento dos serviços de interesse geral, desenvolvimento
das
acessibilidades, sociedade da informação, inovação, ambiente e prevenção
de
riscos. Para esta última vertente, os incêndios do Verão passado em
Portugal
foram "decisivos" para a tomada de consciência da Comissão sobre a
necessidade de obrigar as regiões a utilizar uma parte dos fundos europeus
na prevenção deste tipo de situações.
Finalmente, os restantes 4,2 por cento dos fundos - 11 mil milhões - serão
destinado ao reforço da cooperação inter-regiões. Bruxelas pretende
igualmente "afinar" o fundo de coesão, cujas dotações são actualmente
divididas em partes iguais entre as infra-estruturas de transportes e
ambiente. A ideia é partilhar os seus montantes em três partes iguais para
o
desenvolviomento de transportes "limpos", ou seja, não poluentes, o
ambiente
e os transportes.
Feitas as contas, a distribuição do envelope global dos fundos será de
facto
partilhado em partes iguais entre os velhos e novos estados membros, uma
situação contestada por alguns governos que recusam manter elevados níveis
de ajudas nos actuais países, com o argumento de que já tiveram a sua
oportunidade de desenvolvimento.
Michel Barnier, comissário responsável pelos fundos considera a sua
proposta
de reforço dos montantes "razoável e explicável" para os países
contribuintes para o orçamento. Em 2006, explica, a política de coesão
representará 0,42 por cento do Rendimento Nacional Bruto (RNB) da UE -
incluindo os dez novos estados membros. A sua proposta ascende a 0,41 por
cento do RNB depois da adesão de mais dois países, a Bulgária e a Roménia.
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