Público - 2 Fev 04
"Se o Interlocutor Diz Que o Aborto Foi Um Erro, a Mulher Vai Sentir-se
Culpada"
Por BÁRBARA WONG
São as condições em que é feita a interrupção voluntária da gravidez (IVG),
em segredo, de forma clandestina e com o peso da criminalização que leva
as mulheres a ter sintomas traumáticos, afirmam Duarte Vilar, da
Associação para o Planeamento da Família (APF) e Helena Pinto, da União
Mulheres Alternativa de Resposta (UMAR).
"Não é a sensação da perda do feto, isso só acontece se existirem dúvidas
ou se se não tomou a decisão de livre vontade. Mas a maioria das mulheres
decidem e ponto final", considera Duarte Vilar.
À APF já chegaram algumas mulheres, poucas, depois de terem abortado. Os
técnicos da associação encaminham-nas para o centro de saúde, de maneira a
que possam fazer um "chek-up", e depois são orientadas para uma consulta
de planeamento familiar. "Nunca nos apareceu uma situação dessas, mas caso
haja sintomas de depressão encaminharemos para um serviço de saúde
mental", acrescenta Duarte Vilar.
"A clandestinidade, o não saber a quem recorrer, não poder falar
abertamente, a questão financeira, tudo isso cria uma situação complicada
na cabeça das mulheres. Quando há trauma, é muito devido à forma como o
aborto é feito", considera Helena Pinto, da UMAR - organização não
governamental que se dedica à defesa dos direitos das mulheres e que se
tem posicionado pelo "sim" ao aborto -, acrescentando que "a sociedade não
deve condenar".
"Nós não condenamos, não apontamos o dedo, mas damos a mão às pessoas que
precisam. Claro que preferimos que nos contactem antes de fazer o aborto",
replica João Paulo Carvalho, da Vida Norte.
A mesma posição têm as outras associações pró-vida. É óbvio para todas que
a mulher deve assumir a "culpa" e fazer o luto. "A pessoa bem pode tentar
enganar-se, mas tudo o que é vivo cresce e 'aquilo' que tem dentro de si
está a crescer. Se não é um ser humano, é o quê? As pessoas acham que é um
amontoado de células, mas 'o essencial é invisível aos olhos', como diz
Saint-Exupéry", defende Eugénia Botelho, da Sabor da Vida.
"Se, quando a mulher procura ajuda, o interlocutor diz que [o aborto] foi
um grande erro, claro que ela se vai sentir culpada. A IVG é realizada nas
primeiras semanas, por isso não devemos pôr uma mulher a pensar como quem
vive plenamente a gravidez", reage a dirigente da UMAR.
Em 2001, o psiquiatra Álvaro Carvalho fazia um balanço sobre os "Aspectos
Psicológicos da Interrupção Voluntária da Gravidez" e, na ausência de
estudos portugueses, analisava os trabalhos feitos na Grã-Bretanha e nos
EUA, na década de 80, e concluía que "não é comum registarem-se sequelas
emocionais significativas nas [mulheres] que a concretizam [à IVG], em
registo legal, em particular durante as 12 semanas de gestação".
A maioria das inquiridas (75 por cento) declarava sentir alívio; apenas 15
por cento referiam culpabilidade e depressão e 10 por cento consideravam a
experiência negativa, com repercussões que iam da disfunção sexual à
descompensação psicótica ou mesmo ao suicídio. Segundo um estudo feito no
Reino Unido, as consequências negativas são mais comuns em mulheres "com
atitude ambivalente em relação à IVG, por motivos morais e religiosos",
acrescentava. |