Público - 2 Fev 04
Associações Pró-vida Acompanham Mulheres Que Interrompem Gravidez
Por BÁRBARA WONG
O anúncio vem nas páginas de classificados do PÚBLICO. Uma única palavra,
a letras negras e maiúsculas, interroga: "Abortou?". Depois especifica:
"Tem ataques de choro, angústia e pesadelos?" A Associação Sabor da Vida é
responsável pela interpelação e deixa os seus telefones para futuros
contactos, porque constata que a interrupção voluntária da gravidez (IVG)
pode ser traumática e porque quem a pratica não sabe, muitas vezes, a quem
recorrer.
"Às vezes parece que a solução do aborto é fácil, mas depois as mulheres
sentem-se sós e desacompanhadas", explica Eugénia Botelho, da Associação
Sabor da Vida (ASV), que tem recebido várias chamadas de pessoas que
tencionam vir a fazer um aborto. De todos os telefonemas, apenas um era de
uma mulher que já tinha abortado. Do outro lado da linha, a presidente da
associação ouviu chorar e depois a mulher acabou por desligar.
Mas há quem tenha coragem de falar, mesmo que seja muitos anos depois,
para confessar o sentimento de culpa, para admitir que se sente só na sua
dor, para fazer o luto e poder encontrar alguma paz de espírito. O
Movimento Defesa da Vida (MDV), o projecto da diocese de Lisboa "Vinha de
Raquel", as associações Vida Norte e Mulheres em Acção têm acompanhado
mulheres que sofrem de trauma pós-aborto.
"A primeira mulher que atendi estava grávida de cinco meses e chorava
convulsivamente porque tinha morto um filho, cinco anos antes", conta
Graça Mira Delgado, do MDV.
Nos dez anos de existência do movimento, o MDV, uma instituição particular
de solidariedade social que desenvolve actividades de atendimento nas
áreas do planeamento familiar, já acompanhou uma centena de casos.
As mulheres são encaminhadas para uma entrevista com um psicólogo ou com
um técnico com formação específica. "O trabalho é de escuta e
consciencialização de que têm de se desculpar a si próprias". O número de
sessões são "as necessárias" e, por vezes, é preciso recorrer à terapia;
noutras é aconselhada ajuda psiquiátrica.
Também as associações Sabor da Vida, Vida Norte e Mulheres em Acção
oferecem ajuda psicólogica.
Chorar o filho que não nasceu
"As mulheres sentem culpa e sentem-se vítimas de uma situação: um
companheiro que as forçou, uma mãe que não queria ser avó tão cedo",
define Graça Mira Delgado. O grande problema das que fazem uma IVG é que
não têm espaço para chorar o "seu bebé", acreditam a representante do MDV
e Eugénia Botelho da ASV.
O luto pela criança que não nasceu é importante, concorda Claudia Muller,
da "Vinha de Raquel", um projecto de retiros para mulheres que tenham
abortado, da responsabilidade do Serviço Diocesano da Defesa da Vida, do
Patriarcado de Lisboa.
"Quando uma criança morre é preciso fazer o luto. É preciso exteriorizar
este sentimento e estabelecer uma relação com aquela criança, dando-lhe,
por exemplo, um nome", adianta ainda. Nos EUA, de onde o projecto "Vinha
de Raquel" é oriundo, há até quem faça lápides com o nome do bebé.
O projecto procura sobretudo que a mulher tenha "noção plena que houve uma
morte e que permitiu que essa acontecesse", sublinha Claudia Muller. Para
a responsável pelos retiros essa "noção de culpa" é essencial para
"enfrentar a realidade" e é o "primeiro passo para a libertação". "Depois,
há que tentar trabalhar a situação no sentido de não negar o que se
passou, nem desculpabilizar", acrescenta.
O retiro já foi realizado por cerca de duas dezenas de pessoas. Durante um
fim-de-semana, cerca de cinco mulheres - das mais variadas idades, houve
já algumas com mais de 60 anos que sentiram necessidade de o fazer -,
contam as suas histórias, fazem exercícios práticos e espirituais,
acompanhadas por um sacerdote, um psicólogo e pessoas com formação
recebida nos EUA. Claudia Muller defende o trabalho de grupo porque as
mulheres sentem falta de partilhar as suas experiências, de perceberem que
não são caso único.
Ao longo do ano, há pessoas que se conheceram no retiro e que voltam a
encontrar-se, quando se sentem mais debilitadas, por exemplo, quando
recordam a data em que interromperam a gravidez. O fim último do trabalho
da "Vinha de Raquel" é ajudar as mulheres a "ganhar alguma paz interior".
Esse é o objectivo de todas as associações que ajudam mulheres que sofram
de trauma pós-aborto. "Como cristã, acredito que a pessoa deve saber
perdoar-se. Mas para quem não é cristão o percurso a fazer é o da
reconstrução da sua auto-estima", conclui Eugénia Botelho, da ASV. |