DEBATE SOBRE O ABORTO
1) Reacendeu-se, na sociedade portuguesa, o debate sobre o aborto.
Embora, à primeira vista, possa parecer extemporâneo e com algum
aproveitamento político, este debate é uma ocasião propícia para
esclarecer ideias e aprofundar as questões.
De todos os quadrantes afirma-se que é uma questão de consciência. E
está certo. Em tudo, é preciso agir em consciência. Só que para um
católico, inclusive político, a consciência tem de ser formada à luz
do ensinamento da Igreja, que importa, neste momento, explicitar.
A posição da Igreja é clara, como foi reafirmado ainda recentemente
pelo Secretariado Permanente da CEP, a propósito da
instrumentalização das declarações do Bispo do Porto. A Igreja
opõe-se, seja ao aborto, como à sua despenalização, não sendo de sua
competência determinar a pena, na ordem jurídica civil.
2) O sentido da argumentação de fundo da Igreja é este: o fruto da
concepção é um novo ser humano, que iniciou a sua própria
existência. Precisa ser defendido, tanto mais quanto, no caso do
aborto, é uma vítima inocente e indefesa. Um Estado de Direito tem
de tutelar a vida, desde o começo até ao seu termo, com leis
apropriadas.
“A Igreja opõe-se a todas as tentativas legais ditas de
‘despenalização’ do aborto, não porque queira acentuar a pena, mas
porque todas elas supõem a legitimação da prática do aborto, que
passe a constituir um direito da mulher grávida, com intervenção
activa das estruturas de saúde pública. Mesmo quando o aborto se
torna permitido, como nos casos previstos na lei actualmente em
vigor, do ponto de vista religioso e na ordem canónica, o aborto
continua a ser uma desordem moral. Nenhuma lei civil pode alterar a
verdade fundamental do carácter inviolável da vida humana, como
dever moral grave, já expresso no 5º Mandamento do Decálogo” (CEP,
2003/12/16).
O aborto é uma medida drástica, que não pode ser aceite, como método
de contracepção, porque elimina uma vida.
Diz-se: “A mulher é dona do seu corpo”. Mas o ser concebido não é o
seu corpo; é outro corpo e outro ser. Não se podem resolver os
problemas complicados, em que pode vir a encontrar-se uma mulher
grávida, à custa de outra vida.
3) Na cultura actual há tanta sensibilidade – e isso é sinal de
avanço da civilização – na defesa da natureza e dos animais, na
protecção das crianças, em relação aos crimes de abuso sexual. E os
nascituros, quem os defende?
Isto não é uma questão religiosa. É uma questão de humanidade. A
Igreja não faz outra coisa senão reforçar uma posição da razão
humana, iluminando-a com a luz da Revelação Divina.
O que não significa insensibilidade relativamente ao drama das
mulheres, que se vêem forçadas a recorrer ao aborto, como foi
expresso pelo Bispo do Porto. Não basta condenar e penalizar o
aborto. Urge criar condições, para que ele não aconteça. São
precisas medidas políticas de apoio à família, à mulher grávida e às
crianças. Importa agir e legislar em favor da vida.
4) Falando da participação dos católicos na vida política, esclarece
a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, citando João Paulo II:
“Quantos se encontram directamente empenhados nas esferas da
representação legislativa, têm a “clara obrigação de se opôr” a
qualquer lei, que represente um atentado à vida humana. Para eles,
como para todo o católico, vale a impossibilidade de participar em
campanhas de opinião em favor de semelhantes leis, não sendo a
ninguém consentido apoiá-las com o próprio voto... (cf. Evangelium
Vitae, n. 73).
“A consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer
com o seu voto a realização de um programa político ou até de uma
única lei, em que os conteúdos fundamentais da fé e da moral estejam
subvertidos pela apresentação de propostas alternativas ou
contrárias a tais conteúdos.” (Congregação para a Doutrina da Fé,
Católicos na vida Política, 2003, n.º 4).
Daqui a grande responsabilidade dos católicos, inclusive políticos,
quando a acção política é confrontada com princípios morais
irrenunciáveis, como é o caso do aborto e da sua despenalização.
Exige-se a coerência da fé, em consonância com o ensinamento da
Igreja.
+ António, Bispo de Angra
Angra, 30 de Janeiro de 2004. |