Público - 13 Fev 03
O Mundo Escorregadio da Pedofilia na Internet
Por ALEXANDRE MARTINS E SÉRGIO BARREIRO GOMES
É uma guerra difícil, complexa e, na maior parte das vezes, ingrata para as
autoridades. Num universo virtual, sem fronteiras e com leis que só agora
começam a responder aos desafios da nova era da comunicação global, a
luta contra a pedofilia e pornografia infantil na
Internet é quase uma missão impossível
A Internet é uma das principais sedes do tenebroso mundo da pornografia
infantil e da pedofilia, conforme têm revelado diversas investigações
policiais. Um mundo em que os conteúdos mais sórdidos não são de acesso
fácil para o comum dos internautas, mas muito activo, lucrativo e
perigoso para as crianças, alvos permanentes de redes que
as aliciam através da Net.
Um mundo cada vez mais perseguido pelas polícias, numa batalha que se
desenrola num ambiente virtual, que não conhece fronteiras e que tem
vindo a revelar-se muito difícil para os investigadores.
É que os criminosos beneficiam da débil ou inexistente
legislação de alguns países, como é o caso de Portugal,
para continuarem activos.
Encontrar conteúdos de pornografia infantil e de pedofilia na World Wide Web
é, de facto, mais complicado do que parece. Não basta aceder a um motor
de busca e digitar palavras-chave relacionadas com o
tema.
Os endereços dos "sites" de conteúdos pedófilos - que na sua grande maioria
se fazem pagar pelo acesso ou pelo "download" de conteúdos - seguem
outros trajectos, dificilmente detectáveis por um
utilizador pouco experiente e que raramente invadem o seu
espaço, ao contrário do que acontece com a pornografia
entre adultos. A grande maioria dos "sites" que se apresentam
aos cibernautas como difusores de conteúdos de pedofilia - geralmente
apelando a títulos como "teens", "lolitas", etc... - referem-se, na
realidade, a pornografia entre adultos.
A pornografia infantil na Internet circula por caminhos mais codificados. Os
"newsgroups" - grupos de discussão sobre um determinado tema - são os
veículos por excelência da troca de conteúdos de pornografia infantil.
Mediante o pagamento de uma mensalidade a partir de 14,95 dólares (13,8
euros), o servidor Usenet, por exemplo, coloca à disposição do utilizador
cerca de 80 mil grupos de discussão sobre os mais variados temas, onde
qualquer pessoa poderá aceder, visualizar, descarregar e trocar conteúdos
de pornografia infantil. Mas a troca de ficheiros nos "newsgroups"
também funciona de forma distinta: os ficheiros são
apresentados em forma de texto para depois serem
descodificados pelos receptores, o que implica uma vontade
manifesta para visualizar a imagem.
Como todos os conteúdos da Internet circulam ou gratuitamente ou mediante
pagamento, os "newsgroups" também não fogem a esta lógica, mas na grande
maioria dos casos é necessário passar por um processo de subscrição e
manifestar o desejo de partilhar os seus conteúdos, sejam ilegais ou não.
Legislação não está preparada
Mesmo que um utilizador aceda a um "site" de pornografia infantil ou a
ficheiros através de "newsgroups", dificilmente poderá vir a ser alvo de
uma investigação, já que a simples visualização de
imagens não é punida por lei em Portugal. Aliás, segundo
o coordenador da secção de Investigação de Criminalidade
Informática da Polícia Judiciária, Carlos Cabreiro, em
declarações à edição da semana passada da revista "Visão", "é muito
complicado acusar alguém que apenas tenha imagens armazenadas no disco
rígido" do computador.
À falta de prova, o critério para se distinguir a posse da cedência de
material de pornografia infantil tem sido quantitativo. Se um utilizador
armazenar mais de três mil imagens, considera-se que a posse não se
destina apenas à satisfação pessoal.
Para além deste facto, há que considerar ainda um aspecto mais técnico: de
cada vez que um utilizador se liga à Internet, todos os conteúdos
acedidos ficam automaticamente armazenados numa pasta de
ficheiros temporários no disco rígido do computador, o
que levanta outro problema, o de provar que o cibernauta
quis voluntariamente guardar as imagens ou que apenas visualizou
estes conteúdos - algo que, como foi referido, ainda não é punido por
lei.
Mobilidade dos "sites" dificulta investigação
A juntar às inúmeras dificuldades de enquadramento legal para criminalizar a
pornografia infantil na Internet, há ainda um factor de dispersão. Uma
vez descoberta a origem de um "site" de pornografia
infantil que esteja alojado num servidor gratuito - onde
os clientes na maioria das vezes facultam dados pessoais
falsos quando se registam -, os seus autores apressam-se a migrar
para um servidor localizado noutro país.
"Um brasileiro que investigámos migrou o 'site' para Portugal. Do provedor
[servidor] português, ele enviou fotos de adultos fazendo sexo com
crianças para o nosso 'hacker', que colaborou nas
investigações. Ele descodificou que se tratava de uma
operação policial e debochou de nós, alegando que mesmo
que fôssemos policiais não o pegaríamos, por estar sitiado em provedor no
exterior", contou o promotor de Justiça do Ministério Público do Rio de
Janeiro, Romero Lyra, citado numa comunicação recente num seminário sobre
pedofilia e tráfico de menores pela Internet realizado no Brasil.
A pornografia infantil na Internet tem colocado inúmeros entraves aos
legisladores, por se manifestar num ambiente virtual que não conhece
fronteiras. Quem pratica o crime, a partir de onde e quem concorre para a
sua difusão, entre inúmeras outras questões, são perguntas a que as
autoridades nacionais têm tido dificuldade em responder.
Sandro D'Amato Nogueira, membro do Instituto Paulista de Magistrados, no
Brasil, dá um exemplo que ilustra bem o sentimento de impunidade: "Os
pedófilos muitas vezes ironizam, debocham e desafiam a polícia. Há
rumores de que um deles fará um estupro ao vivo em tempo
real pela Web, desafiando assim as autoridades a
pegá-lo."

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