Não são sermões sobre a vida íntima
Miguel Pacheco
O Labour inglês passou uma década a defender que a
prioridade na família eram as crianças. Ontem
assumiu que deviam ser os pais
"Não são sermões às pessoas sobre a vida íntima. É
um enorme problema social. Eu sou um homem moderno,
governo um país moderno e isto é uma crise moderna."
Todas as políticas deste Governo, continuava Tony
Blair numa mensagem aos trabalhistas em 1997, "serão
dissecadas para avaliar de que forma afectam a vida
familiar". Não foram. Durante os dez anos que se
seguiram, o Labour - a grande fonte liberal onde o
PS bebeu - concentrou- -se nas crianças. Passou
cheques-bebé de centenas de euros, puxou pela
natalidade como a solução para a solvência do
Estado, aumentou as licenças parentais para garantir
que os filhos cresciam saudáveis. Soa a familiar? Os
dois últimos governos socialistas fizeram parecido,
nas políticas e no alvo. Com bons resultados - e
legislação onde antes não existia -, mas com o mesmo
foco nas crianças.
Agora, o Labour admite que esse foco estava errado.
Disse- -o ontem, ao anunciar um novo livro verde
para as famílias. "Chegámos à conclusão de que
falávamos quase sempre das crianças e nos
esquecíamos dos pais. As relações entre adultos
também são importantes", confessa o responsável
trabalhista para a área (Zoom nas páginas 16 a 19).
Para o Labour, o caminho para as próximas eleições
passe por políticas que travem a desagregação
familiar. Como? A partir de 2011, as crianças com
mais de sete anos de idade vão aprender a
importância "do casamento e de relações estáveis
para a vida familiar". O Estado também vai subsidiar
os conselheiros matrimoniais. E haverá medidas para
evitar a desagregação dos casais nas semanas a
seguir ao nascimento. Tudo medidas 'by Brown', ainda
que Brown seja um líder desesperado - e muitas desta
ideias não passem, para já, de tiros no escuro. Mas
o problema de Gordon é também o enigma de Sócrates.
Hoje, Portugal gasta 1,2% do seu PIB em políticas de
apoio à família - 2,2 mil milhões de euros. É pouco,
face à média europeia, e esse pouco está ainda
centrado no apoio à natalidade como eixo principal.
Faz sentido: mais creches, mais dinheiro por filho e
mais benefícios fiscais são incentivos necessários
num país com uma curva de natalidade descendente.
Mas parece insuficiente falar apenas dos filhos
quando a estabilidade dos pais também é parte
importante do problema.
Cabe ao Estado regular a vida íntima? Não. Cabe-lhe
incentivar, sem excessos dogmáticos, novas políticas
de apoio que respondam ao desafio crescente que é
ter só um pai ou dois separados. Parece
paternalismo? Não é. Não são sermões sobre a vida
íntima. O exemplo inglês é útil porque não discute o
que é casamento. Não mistura religião. Não debate a
sexualidade conjugal. Não discrimina as uniões de
facto. Hoje, o conceito de família é mais fluido,
menos preso à ideia de que só duas pessoas em
conjunto, de sexos diferentes, conseguem dar
estabilidade. E para novos desafios, novas
políticas. O novo Labour foi à direita buscar um
tema que andava fugido das prioridades políticas.
Seria bom se, por cá, fizéssemos mesmo.