A única coisa de que podemos estar certos acerca de
2008 é que a sua história foi muito mal contada
O fim do ano é sempre paradoxal. Ainda sem termos
percebido bem o que aconteceu no ano que está a
acabar, eis-nos tentados a adivinhar o que poderá
acontecer no ano que vai começar. Como 2008 parece
querer terminar numa nota ácida, a aposta mais
segura para 2009 é prever uma época sinistra. Em
Novembro, Angela Merkel propôs-se logo baptizar 2009
como o "ano das más notícias". Será assim?
A única coisa de que podemos estar certos acerca de
2008 é que a sua história foi muito mal contada. Foi
mal contada até meio do ano, quando todos tínhamos
já aprendido que a "globalização" fizera subir os
preços e que era preciso apertar o crédito para
evitar a inflação. E talvez esteja ainda a ser mal
contada agora, depois da "crise", quando governos e
bancos centrais deitam dinheiro à rua, para prevenir
a deflação. Se os nossos profetas não acertaram
acerca do que se estava a passar em 2008, mesmo em
frente deles, por que razão deveríamos acreditar na
sua capacidade para adivinhar o que se há-de passar
em 2009?
Ao princípio, convenceram-nos de que o mal estava
todo em meia dúzia de banqueiros "criminosos".
Agora, com a indústria automóvel de mão estendida
aos subsídios, torna-se claro que a chamada
"economia real" nunca esteve inocente. Um dia
haveremos de ver as coisas ainda mais nitidamente.
Talvez cheguemos então a compreender como o esforço
dos governos, durante a última década, para adiar a
adaptação das sociedades ocidentais à
"globalização", nos arrastou até às presentes
dificuldades. Entretanto, veremos em 2009 se o
endividamento público é mais eficaz do que o privado
para manter uma prosperidade que queremos merecer
sem ter de trabalhar.
Outra história mal contada foi a da eleição
presidencial americana. Ao princípio, esquerda e
direita uniram-se para nos apresentarem Obama como o
Presidente que ia virar o mundo do avesso,
rendendo-se a Ahmadinejad e importando para a
América o "modelo social" europeu. Obama foi eleito,
mas sem dinheiro para revoluções sociais e com o
secretário da Defesa de Bush. Entretanto, o
unilateralismo da Rússia no Cáucaso, a ofensiva dos
jihadistas em Bombaim e a guerra reeditada na Faixa
de Gaza começam a sugerir que, afinal, Bush não era
o único problema do mundo. A opção de Obama, até
agora, tem sido a de permanecer insondável. Clinton
II continua a perspectiva mais plausível. É muito
provável que já estejam feitos os sapatos que lhe
hão-de atirar.
Em Portugal, também tivemos uma história mal
contada: a do "fim de Sócrates", esmagado entre as
tenazes da oposição. Uma das tenazes era a acção dos
órgãos sindicais do PCP, conhecida no mundo
jornalístico pelo pseudónimo de "contestação
social". A outra tenaz foi, ao princípio, o
irresistível "populismo" de Menezes, depois
substituído pela não menos invencível "seriedade" de
Ferreira Leite. O PCP cumpriu o seu papel, alugando
os necessários autocarros para trazer a função
pública a marchar em Lisboa; mas o PSD não
funcionou, nem quando pressupôs que o povo era
irresponsável (com Menezes), nem quando decidiu
fazer de conta que o povo era responsável (com
Leite). Talvez a oposição precise de mudar de povo
para mudar de governo.
Nas previsões mais pessimistas para 2009, há uma
espécie de optimismo ao contrário: a de que o ano
novo nos trará, a bem ou a mal, um mundo novo.
Queremos notícias sensacionais, mesmo que más: a
crise no seu auge, uma grande decisão dramática de
Obama, uma convulsão política em Portugal. Desde
2001 que andamos preparados para um apocalipse. O
Iraque prometia uma catástrofe vietnamita: tudo
acabou, no entanto, com um acordo de retirada. Al
Gore, com o seu aquecimento global, também gerou
esperanças - mas afinal, continua a chover e a fazer
frio. Muito provavelmente, 2009 irá decepcionar-nos.
Continuaremos à espera do "pior da crise", Obama
conservará o seu mistério, e as sondagens
recusar-se-ão a alegrar a oposição portuguesa. A
pior notícia talvez venha a ser a falta de grandes
notícias.
A evolução pós-constitucional da república
portuguesa. 29 de Dezembro de 2008, com a
promulgação do Estatuto Político-Administrativo dos
Açores pelo Presidente da República, ficará como uma
das datas fundamentais da democracia portuguesa. Foi
o momento em que, libertando-se dos últimos
vestígios de pudor, a classe política assumiu que em
Portugal os mais pequenos interesses eleitorais dos
partidos estão acima da lei e do respeito pela lei.
Há Estados de direito, e há Estados de partidos. O
nosso é manifestamente desta segunda espécie. O
Presidente da República avisou o país. Mas haverá um
país para o ouvir? Historiador