Nas últimas semanas a Grécia tem sido palco de
graves distúrbios, resultado do profundo
descontentamento social, sobretudo dos jovens. Será
que algo parecido pode acontecer em Portugal? Não
faltam os que fazem tais previsões, mas a resposta
deve ser claramente negativa.
Em momentos de crise é difícil manter o sentido das
perspectivas, mas é precisamente nessas alturas que
isso é mais importante. Um furacão parece-se muito
com um dia de tempestade, mas quem confundir os dois
vai alarmar-se sem razão.
Existe sem dúvida grande descontentamento em
Portugal. Jovens licenciados sem emprego ou na
precariedade, funcionários públicos com perda de
benefícios, empresas perto da falência, imigrantes,
desempregados confessam intensa desilusão e chegam a
manifestar-se nas ruas. Pior ainda, o nosso país
está endividado e a entrar em recessão. Estes são os
principais motivos das tais conjecturas sobre
futuros protestos lusos. Mas é um erro relacionar
explosões sociais com problemas económicos.
A Grécia está a crescer a 3,3%, o dobro da Zona Euro
(1,6%) e mais do triplo de Portugal. O desemprego,
ao nível do nosso, desceu acentuadamente nos últimos
quatro anos. Apesar da desaceleração, a Comissão não
prevê uma recessão grega em 2009. Esta relativa
prosperidade é causa dos desacatos. Já em Maio de
1968, a França crescia acima dos 5%, nível que nunca
voltou a atingir. Pelo contrário, quem vive
dificuldades tem mais que fazer do que
manifestar-se.
Os atentados brutais e criminosos da Grécia não
podem ser uma reacção às condições económicas.
Queimar automóveis, partir montras, saquear lojas e
agredir polícias é muito pior para a crise que
qualquer derrocada financeira internacional. O
problema não se coloca a esse nível.
Para acontecerem os tumultos gregos, mais que
descontentamento ocasional, são necessários dois
elementos principais. O primeiro é uma desilusão
profunda e recalcada, desconfiança latente e
generalizada, raiva surda e intensa. Se ouvirmos as
conversas de café e comentários de blogs parece que
tal estado de espírito já domina em Portugal. Muito
disso é a tradicional resmunguice nacional. Mas algo
começa a despontar. O início foi o sonho guterrista
de uma prosperidade sem custos. Lançou-se então o
endividamento nacional e a bola de neve orçamental
que já fez fugir dois primeiros-ministros, cair um
terceiro e oprime o actual. Os protestos de
professores e os medos dos jovens, bem como as
esperanças de PCP e BE, clivagens no PS, crise do
PSD e oportunismo do PP nascem daqui.
Mas é crucial notar as diferenças entre a tempestade
lusitana e o furacão helénico. Na Grécia a
desilusão, desconfiança e raiva são muito mais
antigas e profundas, num país muito mais difícil de
governar. Teríamos de descer alguns degraus de
decadência para chegar a esse estado, que atingimos
em 1580, 1839, 1908 e 1925.
O segundo elemento, indispensável para passar dos
sentimentos e palavras aos actos, é uma liderança
clara. O que começa espontaneamente só permanece se
for planeado. Tal orientação, conseguida na Grécia
pelo antigo e poderoso movimento anarquista, ainda
falta por cá. Em Portugal até os extremistas são
boas pessoas.
Tudo somado, as diferenças são muitas. Mas, apesar
das distâncias, podemos seguir pelo caminho que
conduz ao caos grego. Isso depende de uma decisão
crucial para o nosso futuro comum: que atitude tomar
perante as dificuldades.
O que quer que aconteça, vêm aí tempos dolorosos.
Como povo, como lidaremos com eles? Vamos chorar,
recriminar as autoridades, exigir e protestar? Ou
enfrentar com seriedade e força o que vier,
aceitando o sofrimento como algo que nos compete,
vencendo os obstáculos? O mundo e a história não nos
devem direitos e regalias. As promessas dos
políticos são diversão de feira. O nosso destino não
depende deles, mas do que fizermos com os nossos
braços, as nossas cabeças, a nossa unidade. É fácil
e cobarde queimar automóveis, partir montras,
saquear lojas. O que é difícil é construir o futuro.
Ter carácter diante dos desafios.