Público - 26 Dez 08

 

2009
Luís Campos e Cunha
 

Em 2009, o mundo pode passar por problemas ainda mais graves que a crise do subprime

 

Falar de 2009 é fazer previsões para o próximo ano e todos sabemos que os economistas têm fraca reputação nessa tarefa.

 

Os meteorologistas estão em boa companhia, pois todos sabemos que olhando o pôr do sol, para além da sensação de bem-estar e de alguma experiência mais metafísica, prevemos o tempo que fará no dia seguinte com a mesma certeza que os cientistas da meteorologia.

 

No entanto, os astrofísicos também estão longe de prever grandes fenómenos singulares por mais brutais que eles possam ser. Fazem-me lembrar a crise; em bom rigor, tudo faz lembrar a crise.

 

Em boa verdade, a medicina também tem prometido muito e feito pouco. Para além de pernas partidas e de uma infecção bacteriológica pouco mais curam. Têm mais capacidade para nos explicar do que padecemos do que para curar e, muito menos, prever. Nós, economistas (e, pior ainda, os professores de Economia), também explicamos bem a crise, mas prever e prevenir é para o diabo.

 

E, se entrarmos nos domínios da mente, psicólogos ou neurologistas explicam tudo mas nada previnem e muito menos prevêem. E a prova disso é ver tanto desvairado à rédea solta, e a crise não foi evitada.

 

Os engenheiros têm mais sorte: fazem casas que se seguram. Evidentemente, até haver um grande terramoto que não é possível prever porque são fenómenos singulares. É parecido com a crise.

 

Portanto, como se vê, os economistas estão bem acompanhados nesta matéria de previsões, prevenção e, muitas vezes, cura. É que o futuro é incerto e para o conhecermos só podemos olhar para o passado e esse é limitado.

 

Com todos os riscos de estar errado, façamos umas previsões para 2009. Não são votos - esses são de tudo melhor que em 2008 -, são previsões com probabilidades e custos.

 

Economicamente, em 2009, o mundo pode passar por problemas ainda mais graves que a crise do subprime. Uma nova onda de insolvências no crédito imobiliário nos Estados Unidos pode ainda acontecer. São empréstimos que nada têm a ver com o subprime, mas empréstimos a pessoas que tinham capacidade creditícia (não necessariamente milionários) para comprarem apartamentos e casas "na planta", na esperança de os preços continuarem a subir e terem alguns ganhos mais tarde. Eram pequenos especuladores que agora entram na falência com a queda do preço das casas.

 

Outro drama fora do nosso alcance de prevenção seria a cessação de pagamentos de um país da zona euro. Não é uma previsão, é um temor. A Irlanda andou próximo, há bem poucos meses, e os gregos parecem estar determinados em tal. Que Zeus lhes dê protecção e os ilumine. E que o nosso Governo tenha cautelas.

 

Ainda por resolver é a falta de crédito de toda e qualquer espécie. Como ando a dizer há meses, o problema não é o preço do crédito, é a sua inexistência.

 

Esta é a tarefa mais urgente para resolver no início de 2009. Não depende só do nosso Governo, longe disso. Mas o nosso Governo pode ser parte da solução ou parte do problema. Se se colocar na posição de fazer muito, sem regras e sem prioridades, então vai ele próprio usar o pouco crédito disponível e será parte do problema. É a política do "é preciso fazer qualquer coisa" e qualquer coisa se fará. As empresas (e as famílias) sem crédito vão falir, mais tarde ou mais cedo, mesmo as economicamente sãs e rentáveis.

 

Se o Governo quiser fazer parte da solução, terá antes de mais de ser realista e falar dos nossos problemas. Ralhar com os bancos não faz parte. É preferível entender por que é que eles não dão crédito: eles próprios não o têm para o poder conceder. É aí que está o problema e é aí que tem de estar a solução e essa não vai lá com ralhetes, é bem mais difícil.

 

Depois, é acabar com fantasias de défice de 3 por cento em 2009, sem receitas extraordinárias. Como não se fala nestas, a minha previsão é que se avizinha qualquer coisa: eu vaticino - é uma previsão e um temor - que um ou mais fundos de pensões da banca passem para a esfera pública. Aí - milagre! - temos um défice abaixo de 3 por cento, mesmo que se gaste sem limites. Esse truque pertence a Ferreira Leite; embora não o tenha inventado, foi quem lhe deu o estatuto de política. Em palavras simples, é transformar a Segurança Social num negócio tipo Madoff: quem entra paga aos que lá estão; quando chegar a vez deles, logo se verá. Os poucos ganhos, tanto de estabilização orçamental como de sustentabilidade da Segurança Social, vão pelo cano abaixo com a desculpa da crise.

 

Há ainda que falar verdade quanto à recessão para que os portugueses acreditem no Governo e, na medida do possível, tomem medidas para a enfrentar. Fantasias do discurso de alguns responsáveis nada resolvem e fazem-nos temer que não saibam o que dizem. E a desconfiança (que significa falta de confiança) é a mãe desta crise.

 

Há que pensar também na era pós-crise. Se isso for pensado, saberemos o que fazer hoje. Mas isso fica para Janeiro. Acabou o espaço e é tempo de ir celebrar o meu Natal. Que o ano de 2009 não seja pior que o de 2008, esse é o meu desejo - que não confundo com previsões. Professor universitário