Diário de Notícias - 24 Dez 08

 

O Natal e o Estado prestamista
Vasco Graça Moura

 

O problema deste Natal é o de quase toda a gente estar já convencida de que o próximo vai ser muito pior e o de ninguém saber o que fazer para evitar que isso aconteça.

 

O desânimo instalou-se em muitas caras, como se pode ver nas costumadas reportagens das televisões sobre as compras de Natal ou, entrando nas lojas e nos supermercados, na expressão de muitas pessoas que se cruzam connosco. Está tudo ao desbarato, mas não há dinheiro. Essa perspectiva quotidiana é confirmada pelas sondagens que tentam medir o grau de pessimismo dos cidadãos e as suas expectativas para o ano que vem.

 

Isto para não falar das novidades e previsões negativas que vão afectando a economia global, das falências, encerramentos e despedimentos em todos os sectores da indústria, do comércio e dos serviços, dos escândalos de que vai havendo notícia, dos seus efeitos de dominó, do desmoronar dos grandes impérios financeiros, das bolsas a encerrarem no vermelho, da estridência das acusações de accionistas, depositantes e aforradores, do desemprego a crescer por toda a parte, da incapacidade de prever a médio prazo, da falta de esperança, sobretudo nos desempregados, da convicção que se vai radicando nas almas de que o pior ainda está para vir.

 

De facto, sabe-se que o pior está para vir. Até nas economias emergentes, em que tanto apostavam as economias ocidentais, as perspectivas são cada vez mais negras e os riscos cada vez mais preocupantes.

 

Os especialistas não conseguem analisar a catástrofe em todas as suas variáveis e todos os dias surgem novas e desastrosas surpresas. Pressente-se que a realidade crítica não é ainda conhecida por eles na sua verdadeira extensão e complexidade. O seu saber e a sua experiência soçobram e não se sabe até que ponto terão, eles mesmos, aquela capacidade de inovação que tanto vinham a exigir aos agentes económicos como factor de competitividade.

 

Os governos não chegarão tão cedo a soluções satisfatórias, em parte por haver interesses contraditórios dos respectivos países e das forças políticas em que se inscrevem, em parte porque essas soluções dependeriam, para terem alguma eficácia, de uma uniforme adopção de medidas à escala global (por exemplo, acabar com os offshores em toda a parte), o que é ainda manifestamente impossível. E é de prever que, sejam quais forem as medidas, haverá também muito quem tente transformá-las num bom negócio.

 

Por outro lado, se a dimensão da crise se avolumar em termos socialmente insuportáveis, vão certamente agravar-se em idêntica medida os problemas da ordem pública e da segurança de pessoas e bens, não se vendo que esteja assegurado o funcionamento de mecanismos de exercício da autoridade. Pode imaginar-se uma situação como a grega, provocada por gente faminta em vez de o ser por bandos anarquistas, a alastrar à escala europeia, mas já é mais difícil imaginar como é que a sua propagação poderia ser eficazmente contida. Visto o que tem acontecido entre nós, em casos como o do milho transgénico ou o dos criminosos que vêm para a rua pelas razões mais aberrantes, esta é uma daquelas situações que, em Portugal, seriam da ordem da caricatura grotesca.

 

A crise portuguesa é muito anterior à eclosão da crise internacional. Deve-se à imprudência e à incompetência dos governos do PS. Agravou-se ao longo dos últimos anos por causa disso mesmo. Na sua origem, confluem todas as aselhices e demagogias da governação Guterres desde 1996 e da governação Sócrates desde 2005.

 

O primeiro-ministro anuncia agora um período de vacas esqueléticas com a mesma convicção indefectível com que, ainda há muito pouco tempo, previa que os tempos socialistas iam ser pingues de enxúndia.

 

Mas ele é de um surrealismo descabelado e incorrigível. Agora presta-se a prestamista imediato dos funcionários públicos, sem, pelos vistos, perder tempo com a questão dos juros.

 

O que não o preocupa na mesma medida é o Natal dos desempregados e dos excluídos. Ou o Natal daqueles que têm empregos precários ou mal pagos do sector privado. Estes também têm as maiores dificuldades e também pagam impostos. Nenhum banco lhes dá crédito em condições favoráveis. Acabarão a suportar os juros daqueles empréstimos?