Nem sempre uma inflação baixa ajuda a economia José Manuel Fernandes
A decisão da Reserva Federal dos EUA de baixar quase
até zero as taxas de juro é um indicador de que já
se teme seriamente a deflação (uma baixa continuada
dos preços), algo que pode alimentar uma crise para
muitos e maus anos. Infelizmente
Quando a inflação desce, habitualmente fica-se
contente. Mas há alturas em que isso não acontece.
Os números ontem divulgados
em Portugal e nos Estados Unidos sobre a evolução
dos preços no consumidor podiam ser olhados como um
bálsamo depois de tantas notícias más. Em Portugal,
a inflação homóloga (Novembro de 2008 sobre Novembro
de 2007) ficou-se pelos 1,4 por cento, o registo
mais baixo desde que existem séries comparáveis,
isto é, dos últimos 30 anos. Nos Estados Unidos, os
preços no consumidor em Novembro situaram-se 1,7 por
abaixo dos registados no mês anterior, a maior
quebra desde 1947.
Para quem faz compras, estas notícias podem parecer
excelentes. Mas há duas razões para olhar para elas
com cuidado. A primeira razão é que elas reflectem
antes do mais descidas nos preços dos combustíveis e
dos cereais, preços que há um ano começaram a estar
muito altos. A segunda razão é que podemos estar já
perante os primeiros sinais de uma retracção no
consumo capaz de levar não apenas a uma inflação
baixa, mas a uma deflação.
Ora se as coisas já não estavam bem, a perspectiva
de uma deflação coloca-as muito pior. Só para ter
uma ideia do que pode significar passarmos por um
período desses, basta lembrar que o Japão enfrentou
uma crise deste tipo por mais de uma década e que,
desde que ela começou, o crescimento económico
parou. Entrou-se naquilo a que os economistas
designam por "estagflação".
O pior cenário é podermos estar perante algo ainda
pior, uma grande recessão. Mesmo todos os que têm
resistido, por muitas e boas razões, a comparar a
actual situação com a vivida nos Estados Unidos após
o crash bolsista de 1929 não podem deixar de se
recordar de que um dos primeiros sinais foi a
entrada num período de deflação. Porquê? Porque esta
ocorre quando os consumidores deixam de ter
confiança para continuar a consumir, levando os
produtores e comerciantes a baixar os preços para
conseguir escoar os produtos (os inéditos saldos
pré-natalícios que estão aí por todo o lado são já
um sinal deste tipo de comportamento de quem sente
que vender sem margem é pior do que não vender
nada). Depois pode acontecer ainda outro fenómeno:
os consumidores, na expectativa de que os preços
continuem a baixar, adiam a decisão de comprar, o
que leva à paralisação da economia (um sector onde
já se sente que isso está a acontecer é o sector
automóvel, que conheceu um "Novembro negro" e está a
encerrar linhas de produção um pouco por todo o
mundo).
O resultado, no prazo de semanas ou meses, é o
disparar do desemprego.
Claro que esta é uma das visões mais pessimistas
sobre o significado dos indicadores ontem revelados.
Só que parece ser a visão da Reserva Federal dos
Estados Unidos, que desceu as taxas de juro de
referência para um valor entre zero e 0,25 por
cento, o que significa que, a partir de ontem,
deixou de haver margem para mais descidas nos juros.
Agora a Reserva Federal só pode continuar a injectar
dinheiro nos mercados, ou em empresas específicas,
para tentar restaurar a liquidez e permitir que os
bancos voltem a emprestar uns aos outros, às
empresas e aos particulares.
É que, como o ex-ministro das Finanças Campos e
Cunha referia no PÚBLICO na passada sexta-feira, o
facto de os bancos terem ao seu dispor dinheiro a
baixo custo, eles fazem lembrar uma loja da ex-URSS:
o que lá se vendia era muito barato, mas as
prateleiras estavam vazias. É assim que se encontra
o sistema bancário, pois ninguém confia em ninguém.
Pior: quase todos os dias nos chegam notícias de que
todos temos pouca razão para confiar mesmo no que
ontem pareciam ser instituições sólidas, honestas e
à prova de bala. Basta pensar nas crises domésticas
em bancos como o BCP, o BPN e o BPP - todas muito
diferentes, mas todas muito parecidas aos olhos do
cidadão comum -, e, agora, na megafraude piramidal
de Bernard L. Madoff, uma fraude que já está a fazer
mossa em Portugal, pois terá provocado estragos no
Santander-Totta e no BES.
Custa por isso a ver como, numa altura em que as
empresas estão a implodir, alguns sindicatos
continuam sem mostrar o mínimo de bom senso. Os que
representam os trabalhadores da indústria automóvel
de Detroit mostram não ter medo de se atirar
precipício abaixo, ao rejeitarem propostas modestas
para abdicarem de algumas das suas regalias; e a
greve ontem confirmada na TAP só existe por cá, como
em Detroit, porque se acha que o dinheiro dos
contribuintes acabará por resolver problemas que se
tornaram políticos. Ora, isto é de um extremo
egoísmo para com todos os que não podem abrigar-se
da tempestade por não possuírem a mesma força
reivindicativa.
PS. O PSD confirmou Santana Lopes como candidato à
Câmara de Lisboa. Se as gaffes de Manuela Ferreira
Leite passam, já esta cedência ao pior que existe no
partido é um erro fatal que não se apaga. E o CDS,
cada vez mais o partido de um homem só, Paulo
Portas, continua a cavar a sua sepultura. Há quem se
ria, mas a deterioração do sistema partidário é,
para a confiança dos cidadãos, ainda mais corrosiva
do que a falência de um grande banco...