Público - 17 Dez 08

 

Nem sempre uma inflação baixa ajuda a economia
José Manuel Fernandes

 

A decisão da Reserva Federal dos EUA de baixar quase até zero as taxas de juro é um indicador de que já se teme seriamente a deflação (uma baixa continuada dos preços), algo que pode alimentar uma crise para muitos e maus anos. Infelizmente

 

Quando a inflação desce, habitualmente fica-se contente. Mas há alturas em que isso não acontece.

 

Os números ontem divulgados

 

em Portugal e nos Estados Unidos sobre a evolução dos preços no consumidor podiam ser olhados como um bálsamo depois de tantas notícias más. Em Portugal, a inflação homóloga (Novembro de 2008 sobre Novembro de 2007) ficou-se pelos 1,4 por cento, o registo mais baixo desde que existem séries comparáveis, isto é, dos últimos 30 anos. Nos Estados Unidos, os preços no consumidor em Novembro situaram-se 1,7 por abaixo dos registados no mês anterior, a maior quebra desde 1947.

 

Para quem faz compras, estas notícias podem parecer excelentes. Mas há duas razões para olhar para elas com cuidado. A primeira razão é que elas reflectem antes do mais descidas nos preços dos combustíveis e dos cereais, preços que há um ano começaram a estar muito altos. A segunda razão é que podemos estar já perante os primeiros sinais de uma retracção no consumo capaz de levar não apenas a uma inflação baixa, mas a uma deflação.

 

Ora se as coisas já não estavam bem, a perspectiva de uma deflação coloca-as muito pior. Só para ter uma ideia do que pode significar passarmos por um período desses, basta lembrar que o Japão enfrentou uma crise deste tipo por mais de uma década e que, desde que ela começou, o crescimento económico parou. Entrou-se naquilo a que os economistas designam por "estagflação".

 

O pior cenário é podermos estar perante algo ainda pior, uma grande recessão. Mesmo todos os que têm resistido, por muitas e boas razões, a comparar a actual situação com a vivida nos Estados Unidos após o crash bolsista de 1929 não podem deixar de se recordar de que um dos primeiros sinais foi a entrada num período de deflação. Porquê? Porque esta ocorre quando os consumidores deixam de ter confiança para continuar a consumir, levando os produtores e comerciantes a baixar os preços para conseguir escoar os produtos (os inéditos saldos pré-natalícios que estão aí por todo o lado são já um sinal deste tipo de comportamento de quem sente que vender sem margem é pior do que não vender nada). Depois pode acontecer ainda outro fenómeno: os consumidores, na expectativa de que os preços continuem a baixar, adiam a decisão de comprar, o que leva à paralisação da economia (um sector onde já se sente que isso está a acontecer é o sector automóvel, que conheceu um "Novembro negro" e está a encerrar linhas de produção um pouco por todo o mundo).

 

O resultado, no prazo de semanas ou meses, é o disparar do desemprego.

 

Claro que esta é uma das visões mais pessimistas sobre o significado dos indicadores ontem revelados. Só que parece ser a visão da Reserva Federal dos Estados Unidos, que desceu as taxas de juro de referência para um valor entre zero e 0,25 por cento, o que significa que, a partir de ontem, deixou de haver margem para mais descidas nos juros. Agora a Reserva Federal só pode continuar a injectar dinheiro nos mercados, ou em empresas específicas, para tentar restaurar a liquidez e permitir que os bancos voltem a emprestar uns aos outros, às empresas e aos particulares.

 

É que, como o ex-ministro das Finanças Campos e Cunha referia no PÚBLICO na passada sexta-feira, o facto de os bancos terem ao seu dispor dinheiro a baixo custo, eles fazem lembrar uma loja da ex-URSS: o que lá se vendia era muito barato, mas as prateleiras estavam vazias. É assim que se encontra o sistema bancário, pois ninguém confia em ninguém.

 

Pior: quase todos os dias nos chegam notícias de que todos temos pouca razão para confiar mesmo no que ontem pareciam ser instituições sólidas, honestas e à prova de bala. Basta pensar nas crises domésticas em bancos como o BCP, o BPN e o BPP - todas muito diferentes, mas todas muito parecidas aos olhos do cidadão comum -, e, agora, na megafraude piramidal de Bernard L. Madoff, uma fraude que já está a fazer mossa em Portugal, pois terá provocado estragos no Santander-Totta e no BES.

 

Custa por isso a ver como, numa altura em que as empresas estão a implodir, alguns sindicatos continuam sem mostrar o mínimo de bom senso. Os que representam os trabalhadores da indústria automóvel de Detroit mostram não ter medo de se atirar precipício abaixo, ao rejeitarem propostas modestas para abdicarem de algumas das suas regalias; e a greve ontem confirmada na TAP só existe por cá, como em Detroit, porque se acha que o dinheiro dos contribuintes acabará por resolver problemas que se tornaram políticos. Ora, isto é de um extremo egoísmo para com todos os que não podem abrigar-se da tempestade por não possuírem a mesma força reivindicativa.

 

PS. O PSD confirmou Santana Lopes como candidato à Câmara de Lisboa. Se as gaffes de Manuela Ferreira Leite passam, já esta cedência ao pior que existe no partido é um erro fatal que não se apaga. E o CDS, cada vez mais o partido de um homem só, Paulo Portas, continua a cavar a sua sepultura. Há quem se ria, mas a deterioração do sistema partidário é, para a confiança dos cidadãos, ainda mais corrosiva do que a falência de um grande banco...