A política segundo Marta Rebelo João Miguel Tavares
Eu não queria voltar a este assunto, mas a senhora
deputada do Partido Socialista Marta Rebelo
obrigou-me a isso, após ter declarado publicamente
na sexta-feira que a Assembleia da República está a
transbordar de assuntos importantíssimos e que a
questão das faltas dos deputados é apenas "política
com 'p' pequenino". Estas declarações surgiram após
a senhora deputada ter faltado - segundo ela, devido
a uma consulta médica - a uma comissão parlamentar
que não se realizou por falta de quórum. Um detalhe
obviamente insignificante, como bem tratou de
explicar Marta Rebelo, tendo em conta que nesse dia
- e cito - se ia "votar e discutir coisas
importantíssimas, como o Estatuto
Político-Administrativo dos Açores". Infelizmente, a
senhora deputada deve ter confundido a agenda
política do Parlamento com a agenda política do seu
almoço, já que no Palácio de São Bento não havia
nenhum estatuto dos Açores para discutir na
sexta-feira. Nada como um deputado bem informado.
Mas isto sou eu a chafurdar na política com 'p'
pequenino, claro.
O curioso neste caso é que Marta Rebelo, segundo uma
notícia do jornal 24 Horas de Janeiro deste ano, já
havia sido obrigada a suspender a sua actividade de
docente da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa devido a queixas de falta de assiduidade por
parte das quatro turmas que leccionava e por assinar
uma presença num dia em que faltou. É pena que o
jornalista que a inquiriu não tenha referido este
tema, pois Marta Rebelo certamente teria respondido:
"Há coisas importantíssimas para discutir na
Universidade de Lisboa. Isso é ensino com 'e'
pequenino." Eu próprio estou a pensar seriamente em
passar a utilizar o argumento no meu trabalho. Da
próxima vez que me perguntarem "mas quando é que tu
escreves esse teu texto?", eu vou responder: "Isso é
jornalismo com 'j' pequenino." E, bem vistas as
coisas, é um raciocínio que se pode perfeitamente
aplicar a todas as áreas. Se um trabalhador da
Autoeuropa for interrogado sobre a sua lentidão a
apertar as porcas de uma Sharan, ele poderá a partir
de agora argumentar: "Tendo em conta o estado da
indústria automóvel, isso é fabricação com 'f'
pequenino."
Numa coisa se faça justiça a Marta Rebelo: ela não
está só na defesa desta sua divertida teoria. O
próprio Mário Soares, que até ser destronado por
Manuel Alegre era a consciência favorita da nação,
declarou que este assunto das faltas era mero
fait-divers. Tendo em conta as sonecas que ele batia
no Parlamento, percebe-se que preferisse dormir a
sesta em casa. Ora, sendo esta a cultura que domina
o País, não admira que vivamos rodeados de dezenas e
dezenas de deputados com 'd' pequenino, exibindo
alegremente a sua incompetência. Com 'i' maiúsculo.