Os nossos comissários não suportam a
liberdade, a não ser quando ela é interpretada como
conformidade com os seus planos abstractos de
perfeição
O hábito instalou-se também entre nós: por ocasião
das celebrações natalícias, os comissários do
politicamente correcto insurgem-se contra a mais
pequena manifestação da festa cristã na chamada
praça pública. Em nome da chamada neutralidade do
Estado e - pasme-se - da liberdade de culto, advogam
a eliminação de todas as referências cristãs da vida
pública das sociedades ocidentais: presépios nas
escolas do Estado (e até em empresas privadas),
cartões e mensagens oficiais de Natal, pinheiros
decorados nas ruas e sabe-se lá que mais.
O estilo de raciocínio dos nossos comissários revela
desde logo de onde vêm: da tradição jacobina
continental. Parafraseando Oakeshott, eles falam da
liberdade na linguagem predilecta de um russo ou de
um turco - isto é, de quem nunca usufruiu
duradouramente da liberdade. Inevitavelmente, essa é
a linguagem de premissas abstractas, de um
imaginário modelo de perfeição, a que eles chamam
‘liberdade’.
Este modelo de perfeição nunca foi usufruído por
ninguém em liberdade. Sempre que tentaram aplicá-lo
- na França de 1789, ou na Rússia de 1917, para não
entrar em mais detalhes - as populações realmente
existentes sentiram esse modelo de perfeição como
uma intolerável opressão sobre os seus modos de
vida, e nunca os sentiram como libertação.
Por essa razão, aos nossos comissários passa
despercebida a característica fundamental da
liberdade: a de poder usufruir o modo de vida de
cada um, a de viver e deixar viver. “Liberdade,
escreveu Isaiah Berlin, é liberdade, não é
igualdade, nem equidade, nem justiça, nem felicidade
humana, nem uma consciência tranquila”.
Para quem adopta este conceito de liberdade -
liberdade como usufruto, como «enjoyment» - não
passa pela cabeça exigir que o Natal cristão seja
assinalado pelas autoridades de um país muçulmano
com a mesma intensidade que o Ramadão. Também não
lhe ocorre exigir a eliminação das referências ao
Ramadão na praça pública de um país muçulmano, como
uma espécie de compensação ‘neutralista’, para a
ausência de referências oficiais ao Natal. O que
este conceito de liberdade exige é que os cristãos
sejam deixados em liberdade para usufruir das
comemorações do Natal.
Pensávamos que esta exigência estava assegurada no
Ocidente, onde a liberdade nasceu e tem sido
experimentada (sublinho experimentada) como usufruto
de modos de vida descentralizados e não centralmente
desenhados. Mas os nossos comissários não suportam a
liberdade, a não ser quando ela é interpretada como
conformidade com os seus planos abstractos de
perfeição.