Não é Carnaval, mas, talvez para dar folga ao cinto
apertado pela governação socialista, nunca os
portugueses terão sido dados a tanto excesso. Não
foi e não é necessariamente folguedo, foi e é muito
dinheiro gasto em pouco tempo. O cartão multibanco
não teve parança, muitos milhões de euros mudaram de
mãos em poucos dias. Quase mil euros foram
movimentados por segundo, o que demonstra a voragem
consumista do nosso tempo. A constatação propicia
moralismos diversos, seja porque somos um país pobre
a fazer de rico, seja porque estamos demasiado
endividados e só pensamos em aumentar as dívidas,
seja porque transformamos todas as datas festivas em
hinos ao consumo. A verdade é que tendemos a
esquecer que o modelo produtivo e social em que
vivemos, e a que pressupostamente não somos alheios,
tem por base o estímulo ao consumo. De uma forma
simplista podemos dizer que o crescimento do consumo
faz crescer a produção e o comércio. O problema
português não está no excesso consumista natalício,
admitindo que é um excesso. O problema está na nossa
fraca capacidade produtiva, na enorme dependência
externa.
Portugal é um país de comerciantes, uma
desproporcionada superfície mercantil. Bate recordes
nos hipermercados. Projecta mais centros comerciais
do que qualquer congénere europeu. O prazer e a
felicidade de hoje já não se fazem de marcas
simbólicas, de intercâmbios pessoais ou do mero
convívio social. Ganha crescente protagonismo o
sujeito consumidor, que vai destronando o cidadão
preocupado com a comunidade. O desejo e o prazer
realizam-se numa incessante procura e conquista de
objectos, quantas vezes confundidos com sujeitos
nossos iguais.
A cultura consumista vive do efémero, faz do passado
um mero pretexto de diversão e evasão. Produz
demasiado lixo, que não recicla. Vive da
precariedade e na velocidade. Foge demasiadas vezes
sem destino. Estampa-se insolvente numa qualquer
estrada sem que a morte seja mais do que uma
ocorrência ou calamidade sem especial significado.
A voragem do consumo não tem pensamento estratégico.
Esgota-se em si própria, descrente em qualquer
salvação. Num mundo de pouca esperança, goza--se o
presente que os amanhãs já não cantam. O tempo é
agora de saldos, promoções, pechinchas,
oportunidades a não perder. Aproxima-se a passagem
de ano e neste país sem direitos adquiridos, em
défice continuado, nada como voar para o Brasil para
esquecer o garrote de Sócrates. Para que conste, os
voos já estão esgotados. Se nada mais houver,
restará o comando da televisão...