A rejeição de símbolos natalícios a pretexto de
ofender os "não-crentes" é um exemplo de hipocrisia
que pode tornar-se perigoso no futuro
Voltamos ao mesmo, de forma igualmente infeliz: os
europeus que se assanharam contra a ostentação de
símbolos religiosos em sociedades laicas (sejam eles
crucifixos ou véus) descobriram no Natal um novo
alvo. Dois exemplos espanhóis: numa escola de
Saragoça, cancelou-se a festa natalícia para não
ofender "crianças não-cristãs"; em Málaga, a
pretexto de não serem permitidos símbolos religiosos
na escola pública de um país laico, a directora de
um colégio deitou para o lixo um presépio feito
pelos alunos da aula de... Religião (estranho como
não deitou fora, também, os próprios alunos e a
professora de uma aula não-laica). À semelhança de
Espanha, também em Inglaterra o Natal se tornou
incómodo: três em cada quatro empresários
consultados num inquérito afirmaram que proibiriam
decorações alusivas à época; outros substituíram
"Feliz Natal" por "Boas Festas"; e em Birmingham a
câmara decidiu mudar Christmas (Natal) para
Winterval (intervalo de Inverno). O argumento para
todas estas aberrantes proibições, até agora
inéditas, é o mesmo que foi usado em Chicago, há
dias, para não projectar numa feira natalícia o
filme O Nascimento de Cristo: ninguém quer correr o
risco de ofender os "não-cristãos". Esqueceram-se,
claro, de ouvir os "não-cristãos". E os que já
falaram estão atónitos perante tais actos. E estão
também preocupados. Se hoje se ocultam os símbolos
ou as histórias associadas ao nascimento de Cristo
também amanhã lhes poderão proibir, sob idêntico
pretexto de laicidade, as suas próprias celebrações
religiosas. Não exactamente proibir, mas ocultar,
excluir, tornar clandestinas. Quase criminosas.
Jack Straw, ministro britânico dos Assuntos
Parlamentares, encontrou o termo exacto para
classificar tais exercícios de autocensura: uma
"parvoíce politicamente correcta". E também será
politicamente perigosa. Porque em lugar de fomentar
o diálogo entre religiões e culturas prefere
reduzi-lo ao silêncio, ignorando que é na assunção e
aceitação pública das diferenças (culturais,
religiosas, sexuais) que se devem construir as
sociedades de hoje e do futuro. O recalcamento, a
ocultação, o medo, a culpa, são resquícios medievais
que na Europa ainda sobrevivem à custa de uma
ignorância arvorada em conhecimento, de um atraso
cultural mascarado de civilização. O presépio, mesmo
na mais laica das escolas, deveria servir para
aproximar as crianças através do conhecimento das
histórias e crenças que invoca, das observações de
tradições que nele se revêem e não revêem, do
respeito pelas diferenças. Deitá-lo para o lixo é
semear, nas trevas da ignorância, o ódio. É
preferível ver um cristão ou muçulmano ostentando
claramente os seus símbolos, mas respeitando-os
mutuamente, do que seres que gerem tais crenças na
penumbra e, por elas, sejam capazes de humilhar ou
matar. A Europa precisa de cidadãos livres: nos seus
hábitos, nas suas tradições, nas suas crenças. Não
precisa de autómatos falsamente iguais, prontos a
passar sem mácula nos códigos de barras de uma
civilização que se pretende impoluta mas é
ferozmente hipócrita. Crentes e laicos devem, pois,
defender a liberdade das suas opiniões e símbolos,
sem medo ou vergonha de os fazerem públicos - porque
só no respeito das suas diferenças se refrearão os
piores antagonismos.