Publicidade para crianças exige atenção a pais e
escolas
Em vésperas do Natal, os anúncios a brinquedos
multiplicam-se e repetem-se nos horários infantis
dos vários canais televisivos. Cabe aos pais e à
escola filtrar a informação, defendem especialistas
contactados pelo PÚBLICO.
A própria associação representativa dos anunciantes
receia leis mais restritivas e avançou para a
auto-regulação.
Por Sofia Rodrigues
Princesas de sonho com vestidos de baile, uma pista
radical de carros de corrida, um boneco careca que
se ri das cócegas e faz xixi, uma Barbie com tintas
para pintar madeixas, um camião do homem-aranha que
se transforma numa cidade, uma fábrica de jóias de
plástico.
A lista de anúncios televisivos nesta altura do ano
é infindável e repete-se intervalo após intervalo
dos programas infantis. Nas vésperas do Natal, as
pausas nos horários infantis atingem os 10 minutos
ou até mais. E em cada um podem chegar a passar 20
spots.
O excesso de anúncios a brinquedos é reconhecido e
parece fazer parte do mundo de consumo do Natal.
Cabe aos pais e às escolas educar os pequenos
consumidores para desconstruir a publicidade, dizem
especialistas contactados pelo PÚBLICO. A indústria
já tomou consciência da vulnerabilidade das crianças
perante as doses de sedutores anúncios a que estão
sujeitas. E o receio de uma legislação proibitiva
levou a dar o passo para a auto-regulação.
Explicar às crianças que não é possível comprar tudo
o que a publicidade promove é o papel que os pais e
as escolas deveriam assumir, defende Sara Pereira,
investigadora na área da educação para os media da
Universidade do Minho. "Muitas famílias não estarão
sensibilizadas para este consumo excessivo e por
isso as escolas terão outra capacidade para
apresentar a realidade", diz.
A educação para o consumo é uma das formas de
minimizar o impacto da publicidade nas crianças, em
particular na altura do Natal. "O bombardeamento é
grande e apelativo", observa Sara Pereira,
defendendo uma maior regulação nos tempos de
publicidade.
"As crianças são muito sensíveis à repetição e o
anúncio acaba por ficar gravado na memória mesmo que
não seja interessante", sublinha a investigadora. A
decepção é um dos riscos da linguagem fantasiosa da
mensagem publicitária: "As crianças acabam por ficar
com alguma desilusão em relação àquilo que
imaginaram. Era importante desconstruir a
publicidade."
Os pais também
são permeáveis
Ceder a todas as tentações da publicidade e comprar
um número exagerado de presentes é para muitos pais
uma forma de expiar a culpa da pouca atenção dada
aos filhos ao longo do ano, mas tem efeitos
perniciosos, alerta o psicólogo Guilherme Carriço,
da unidade de saúde infantil do Hospital de Santa
Maria, em Lisboa.
"As crianças que ficam sempre satisfeitas depois não
conseguem gerir as frustrações", avisa. Como é que
se pode gerir os pedidos insistentes de certos
brinquedos, mesmo quando os pais não os consideram
apropriados? Para o psicólogo, o bom senso é o
melhor instrumento: "Nem dar tudo o que é pedido,
nem recusar tudo o que é valorizado pelos amigos."
Os apelos de contenção nas compras de brinquedos
para o Natal esbarram nas próprias fragilidades dos
adultos: "Os pais também são permeáveis ao
marketing", lembra o psicólogo.
Estudos recentes dizem ainda que também são
influenciados pelos filhos. Uma sondagem do Fórum
Criança, divulgado em Março deste ano, revelou que
os inquiridos entre os quatro e os 12 anos têm um
papel decisivo na escolha de telemóveis,
computadores e automóveis comprados pela família.
Na perspectiva dos gestores de marketing, a
televisão é a porta de entrada do público infantil
para o universo dos brinquedos. E para as crianças,
sobretudo as mais pequenas, os anúncios televisivos
são por vezes o único contacto que têm com os
brinquedos que desejam. "Elas pedem aquilo que passa
na televisão sem ter visto o produto", observa
Marina Petrucci, da empresa de estudos Apeme, que
coordenou o estudo do Fórum Criança.
Aos olhos dos adultos, o tempo de exposição do
público infantil aos anúncios pode parecer
excessivo, mas não há registo de violações
sistemáticas à lei nos horários infantis, segundo
informações disponibilizadas pelo Observatório da
Publicidade.
Auto-regulação para
evitar proibições
O próprio conteúdo das campanhas obedece a um
cuidado cada vez maior imposto pelas empresas. "Os
grandes anunciantes já têm códigos de conduta que
são mais restritivos do que a própria lei",
justifica a secretária-geral da APAN, Manuela
Botelho.
A prova de uma maior cautela na comunicação
publicitária que envolve menores está no facto de o
Instituto Civil de Auto-disciplina da Publicidade
emitir pareceres sobre a legalidade de anúncios, a
pedido das próprias empresas. Os casos de violação
da lei são pontuais e são da responsabilidade de
"empresas mais pequenas e menos esclarecidas, que o
fazem por desconhecimento", segundo Manuela Botelho.
A APAN, em conjunto com outras entidades, criou um
código de boas práticas na comunicação comercial
para menores e prepara um projecto para ensinar
técnicas publicitárias em escolas (ver texto nestas
páginas).
O código abrange não só a publicidade televisiva
como também a Internet e o marketing feito nas
escolas. Falta apenas a designação da entidade que
irá fazer a avaliação regular de toda a comunicação
comercial para menores de forma a detectar eventuais
irregularidades e activar os mecanismos de
auto-regulação.
Os anunciantes reconhecem que as crianças "são um
grupo alvo muito sensível e que está muito
pressionado pela comunicação", diz Manuela Botelho.
A auto-regulação é também fruto do receio de uma
legislação mais restritiva ou mesmo proibitiva, o
que aconteceu em países onde não houve cuidado na
publicidade infantil. E a recente decisão imposta
pelas autoridades britânicas de eliminar a
publicidade a alimentos com muito sal, açúcar ou
gordura, fez soar os alarmes da indústria em todo o
mundo.