Público - 18 Dez 06

 

Publicidade para crianças exige atenção a pais e escolas
 

Em vésperas do Natal, os anúncios a brinquedos multiplicam-se e repetem-se nos horários infantis dos vários canais televisivos. Cabe aos pais e à escola filtrar a informação, defendem especialistas contactados pelo PÚBLICO.
A própria associação representativa dos anunciantes receia leis mais restritivas e avançou para a auto-regulação.
Por Sofia Rodrigues

Princesas de sonho com vestidos de baile, uma pista radical de carros de corrida, um boneco careca que se ri das cócegas e faz xixi, uma Barbie com tintas para pintar madeixas, um camião do homem-aranha que se transforma numa cidade, uma fábrica de jóias de plástico.
A lista de anúncios televisivos nesta altura do ano é infindável e repete-se intervalo após intervalo dos programas infantis. Nas vésperas do Natal, as pausas nos horários infantis atingem os 10 minutos ou até mais. E em cada um podem chegar a passar 20 spots.
O excesso de anúncios a brinquedos é reconhecido e parece fazer parte do mundo de consumo do Natal. Cabe aos pais e às escolas educar os pequenos consumidores para desconstruir a publicidade, dizem especialistas contactados pelo PÚBLICO. A indústria já tomou consciência da vulnerabilidade das crianças perante as doses de sedutores anúncios a que estão sujeitas. E o receio de uma legislação proibitiva levou a dar o passo para a auto-regulação.
Explicar às crianças que não é possível comprar tudo o que a publicidade promove é o papel que os pais e as escolas deveriam assumir, defende Sara Pereira, investigadora na área da educação para os media da Universidade do Minho. "Muitas famílias não estarão sensibilizadas para este consumo excessivo e por isso as escolas terão outra capacidade para apresentar a realidade", diz.
A educação para o consumo é uma das formas de minimizar o impacto da publicidade nas crianças, em particular na altura do Natal. "O bombardeamento é grande e apelativo", observa Sara Pereira, defendendo uma maior regulação nos tempos de publicidade.
"As crianças são muito sensíveis à repetição e o anúncio acaba por ficar gravado na memória mesmo que não seja interessante", sublinha a investigadora. A decepção é um dos riscos da linguagem fantasiosa da mensagem publicitária: "As crianças acabam por ficar com alguma desilusão em relação àquilo que imaginaram. Era importante desconstruir a publicidade."

Os pais também
são permeáveis
Ceder a todas as tentações da publicidade e comprar um número exagerado de presentes é para muitos pais uma forma de expiar a culpa da pouca atenção dada aos filhos ao longo do ano, mas tem efeitos perniciosos, alerta o psicólogo Guilherme Carriço, da unidade de saúde infantil do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
"As crianças que ficam sempre satisfeitas depois não conseguem gerir as frustrações", avisa. Como é que se pode gerir os pedidos insistentes de certos brinquedos, mesmo quando os pais não os consideram apropriados? Para o psicólogo, o bom senso é o melhor instrumento: "Nem dar tudo o que é pedido, nem recusar tudo o que é valorizado pelos amigos."
Os apelos de contenção nas compras de brinquedos para o Natal esbarram nas próprias fragilidades dos adultos: "Os pais também são permeáveis ao marketing", lembra o psicólogo.
Estudos recentes dizem ainda que também são influenciados pelos filhos. Uma sondagem do Fórum Criança, divulgado em Março deste ano, revelou que os inquiridos entre os quatro e os 12 anos têm um papel decisivo na escolha de telemóveis, computadores e automóveis comprados pela família.
Na perspectiva dos gestores de marketing, a televisão é a porta de entrada do público infantil para o universo dos brinquedos. E para as crianças, sobretudo as mais pequenas, os anúncios televisivos são por vezes o único contacto que têm com os brinquedos que desejam. "Elas pedem aquilo que passa na televisão sem ter visto o produto", observa Marina Petrucci, da empresa de estudos Apeme, que coordenou o estudo do Fórum Criança.
Aos olhos dos adultos, o tempo de exposição do público infantil aos anúncios pode parecer excessivo, mas não há registo de violações sistemáticas à lei nos horários infantis, segundo informações disponibilizadas pelo Observatório da Publicidade.

Auto-regulação para
evitar proibições
O próprio conteúdo das campanhas obedece a um cuidado cada vez maior imposto pelas empresas. "Os grandes anunciantes já têm códigos de conduta que são mais restritivos do que a própria lei", justifica a secretária-geral da APAN, Manuela Botelho.
A prova de uma maior cautela na comunicação publicitária que envolve menores está no facto de o Instituto Civil de Auto-disciplina da Publicidade emitir pareceres sobre a legalidade de anúncios, a pedido das próprias empresas. Os casos de violação da lei são pontuais e são da responsabilidade de "empresas mais pequenas e menos esclarecidas, que o fazem por desconhecimento", segundo Manuela Botelho.
A APAN, em conjunto com outras entidades, criou um código de boas práticas na comunicação comercial para menores e prepara um projecto para ensinar técnicas publicitárias em escolas (ver texto nestas páginas).
O código abrange não só a publicidade televisiva como também a Internet e o marketing feito nas escolas. Falta apenas a designação da entidade que irá fazer a avaliação regular de toda a comunicação comercial para menores de forma a detectar eventuais irregularidades e activar os mecanismos de auto-regulação.
Os anunciantes reconhecem que as crianças "são um grupo alvo muito sensível e que está muito pressionado pela comunicação", diz Manuela Botelho.
A auto-regulação é também fruto do receio de uma legislação mais restritiva ou mesmo proibitiva, o que aconteceu em países onde não houve cuidado na publicidade infantil. E a recente decisão imposta pelas autoridades britânicas de eliminar a publicidade a alimentos com muito sal, açúcar ou gordura, fez soar os alarmes da indústria em todo o mundo.