Referendo: interrupções ilegais de gravidez entre 25
a 30 mil Abortos podem custar 26 milhões
Cristina Serra
Em 2005 os hospitais
públicos fizeram um total de 906 abortos dentro dos
critérios clínicos previstos na lei. Cada
intervenção custou ao Serviço Nacional de Saúde (SNS)
1074 euros nos casos em que houve internamento e
intervenção cirúrgica e 829 euros quando a
interrupção da gravidez foi feita com medicamentos
(pílula abortiva ou RU-486). Os custos podem ter
chegado aos 973 mil euros e não incluem eventuais
complicações nem material clínico.
Estes
montantes, porém, podem vir a disparar se o
referendo do dia 11 de Fevereiro aprovar a
despenalização até às dez semanas de gravidez.
Estimativas da Associação para o Planeamento
Familiar e de outras fontes da área da saúde
contactadas pelo CM apontam para a realização de 25
mil a 30 mil abortos ilegais por ano em Portugal.
Se estas intervenções tiverem de ser suportadas pelo
Estado, prevê-se um acréscimo de custos para o SNS
entre 20,7 milhões de euros – estimativa feita para
25 mil abortos efectuados só com recurso a
medicamentos, intervenção que custa 829 euros – e
26,8 milhões de euros (os mesmo 25 mil abortos/ano,
mas com necessidade de internamento e, por isso,
mais caro).
O número de
interrupções voluntárias da gravidez (IVG) legais
nos hospitais públicos tem vindo a aumentar todos os
anos em Portugal. Em 2005 realizaram-se 906, mais 72
do que no ano anterior (totalizando 834 em 2004) e
mais 185 do que em 2003 (com 721).
Um terço dos abortos
legais é resolvido com a pílula abortiva (RU-486),
“tratamento que na maioria dos casos dispensa
internamento e ida ao bloco operatório”, afirma ao
CM o director da Maternidade Alfredo da Costa (MAC),
em Lisboa, Jorge Branco.
Segundo aquele responsável, 48 horas após tomar o
RU-486 – substância activa é o mifégyne e está
autorizada há cerca de um ano em Portugal, sendo
administrada exclusivamente nos hospitais – a mulher
toma outra substância, o misoprostol.
Dois terços das IVG são
cirúrgicas, com recurso a dilatação e raspagem por
aspiração. Cada dia de internamento custa ao Estado
entre 71 e 414 euros, segundo a tabela de preços do
SNS.
Na Maternidade Alfredo
da Costa foram feitos, desde Janeiro, 125 abortos,
dos quais 43 foram resolvidos com a pílula abortiva
e 82 foram interrupções cirúrgicas. Em 2005 o número
foi ligeiramente superior, 127, e em 2004 foram
feitos 128. “A média de abortos não tem variado
muito nos últimos anos”, sublinha ao CM Jorge
Branco, garantindo não poder acudir a mais mulheres
nesta situação – caso o referendo resulte num ‘sim’
– por falta de meios técnicos e humanos.
No Hospital Garcia de
Orta, em Almada, houve, em 2005, 42 abortos legais e
este ano o número será ligeiramente superior. O
director, Álvaro Carvalho, diz que “irá tentar
cumprir a lei” se houver alterações.
DOIS TERÇOS SÃO
CIRÚRGICOS
Apenas um terço dos
casos é resolvido com a pílula abortiva, enquanto
dois terços das mulheres são sujeitas a intervenção
cirúrgica, normalmente com raspagem por aspiração.
COMO É
O aborto apenas é
legalmente previsto nas seguintes situações: perigo
de morte ou de grave e irreversível lesão para o
corpo ou saúde física ou psíquica da mulher grávida;
perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o
corpo ou saúde física ou psíquica da mulher grávida,
realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez; caso
se preveja que a criança venha a sofrer, de forma
incurável, de doença ou malformação, realizado nas
primeiras 24 semanas de gravidez; fetos inviáveis;
casos de violação, até às 16 semanas.
PERGUNTA A REFERENDAR
“Concorda com a
despenalização da interrupção voluntária da
gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas
primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde
legalmente autorizado?” Esta é a pergunta a que vão
ser chamados a responder ‘sim’ ou ‘não’ os
portugueses, no próximo dia 11 de Fevereiro, no
segundo referendo sobre o aborto.
OS PASSOS DO
REFERENDO
Foi convocado em 30 de
Novembro e realiza-se a 11 de Fevereiro. Conheça as
principais datas do referendo nacional sobre o
aborto.
RÁDIOS E TV
As rádios e televisões
têm de indicar o horário dos tempos de antena até 15
de Janeiro; a Imprensa tem mais cinco dias para o
fazer.
CAMPANHA
A campanha para o
referendo decorre entre 30 de Janeiro e 9 de
Fevereiro. Sondagens ou inquéritos de opinião são
proibidos entre 9 de Fevereiro e as 20h00 do dia do
referendo (a votação decorre entre as 8h00 e as
19h00).
ONDE VOTAR
As juntas de freguesia
anunciam, por edital, os locais de funcionamento das
assembleias de voto, até 17 de Janeiro; os boletins
de voto são enviados aos presidentes das juntas até
8 de Fevereiro.
VOTAÇÃO
Podem votar
antecipadamente os militares, agentes das forças de
segurança, trabalhadores marítimos e aeronáuticos,
eleitores hospitalizados e eleitores que estejam
detidos.
NÚMEROS
906
abortos legais em 2005 no nosso País, mais 72 do que
no ano anterior (que totalizou 834). Em 2003, esse
número não ultrapassou os 721.
450
euros é o valor cobrado em algumas clínicas privadas
ou parteiras que realizam abortos à margem da
legislação. O negócio pode render 11,2 milhões de
euros.
126
é a média de abortos feitos por ano na Maternidade
Alfredo da Costa, dentro dos critérios legais: 125
em 2005 e 127 em 2005.
36 milhões
de euros foi o volume de negócios das clínicas
espanholas que realizam abortos declarados
oficialmente.
84 985
é número de abortos oficiais em Espanha em 2004. O
apoio financeiro do Estado foi de 10,7 milhões.
"OS HOSPITAIS NÃO
TÊM MEIOS"
O director do Serviço
de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Santa
Maria, em Lisboa, e presidente do Colégio da
Especialidade da Ordem dos Médicos, Luís Graça,
admite ao CM que os hospitais não têm meios nem
devem funcionar para fazer abortos por opção da
mulher.
“Os hospitais públicos
não têm vocação para fazer interrupções de
gravidezes. Existem para tratar os doentes. Além
disso, não temos meios nem recursos para poder
acorrer a esses casos e também não vou deixar de
operar uma mulher com um tumor nos ovários para dar
prioridade a outra mulher que não está doente, mas
que quer abortar e não pode entrar em lista de
espera.”
Aquele responsável diz
não retirar o direito da mulher em abortar: “A
mulher pode ter esse direito, mas terá de suportar
os custos, tal como já o faz no privado. Não devem
ser os contribuintes a pagar.”
A vogal da Maternidade
Júlio Dinis, no Porto, Deolinda Alves, diz que
naquela unidade “são feitos entre 30 a 40 abortos
legais por ano, num universo de 3200 partos”.
“Teremos capacidade de resposta caso haja
legalização, mas não acredito que deixem de ser
feitos abortos clandestinos. Os que são feitos nos
vãos de escadas irão fazer-se porque as mulheres não
têm cultura, informação.”
No S. João do Porto
realizam-se cerca de 30 abortos por ano. O director
da Obstetrícia recusou fazer comentários.
NOTAS
CÓDIGO DEVIA SER
ALTERADO
A eurodeputada Ana
Gomes considera que o código deontológico dos
médicos devia ser alterado, para permitir a IVG.
PRIMEIRO CARTAZ DO NÃO
A plataforma Não
Obrigada, apresentada em Lisboa na passada
terça-feira, vai colocar nas ruas o seu primeiro
cartaz.
CLÍNICAS CANDIDATAM-SE
Várias clínicas
privadas já contactaram a Direcção-Geral de Saúde
para poderem proceder a abortos legais em Portugal.
APOIO EUROPEU AO SIM
O Movimento pelo Sim
vai ter o apoio das mulheres do Partido Socialista
Europeu (PSE), além, é claro, do do PS português.