Público- 03
Dez 06
Uma proposta para a educação
retrato da semana antónio barreto
Uma enorme percentagem de estudantes que chegam à
universidade dá erros de Português, nada sabe de
Matemática, conhece mal a História ou a Geografia. O
ensino artístico é miserável. Conforme as
circunstâncias e as modas de passagem, escolhem-se
uns responsáveis por esta situação
Está assente a convicção de que a
qualidade média do ensino em Portugal é má ou
medíocre. São muitos os indicadores, nacionais e
internacionais, a fundamentar tal percepção. As
taxas de insucesso e abandono precoce são
altíssimas. As notas médias nacionais dos exames de
várias disciplinas são negativas. As que não são
negativas são sofríveis. Há centenas de escolas com
médias negativas em quase todas as disciplinas. Os
conhecimentos dos alunos que terminam um ciclo ou um
grau, em quase todas as disciplinas, são muito
deficientes. A preparação dos estudantes, tanto
técnica e profissional, como cultural e humanística,
é insuficiente. Uma enorme percentagem de estudantes
que chegam à universidade dá erros de Português,
nada sabe de Matemática, conhece mal a História ou a
Geografia. O ensino artístico é miserável.
Conforme as circunstâncias e as modas de passagem,
escolhem-se uns responsáveis por esta situação. O
crescimento rápido do sistema educativo, o meio
social, a crise de valores, a falta de autoridade e
de disciplina, a incompetência dos professores, os
baixos vencimentos dos mesmos, a desorganização do
ministério e tantos outros bodes expiatórios são
mencionados por todos quantos se interessem ou
ocupam da educação. Os métodos pedagógicos também
são, evidentemente, referidos com frequência como os
principais responsáveis pela crise educativa. A tudo
isto e muito mais acrescenta-se a influência
perniciosa da televisão e o desinteresse dos pais. E
não faltam as alusões ao insuficiente financiamento
da educação e às miseráveis condições de trabalho
dos docentes.
A discussão sobre as reais causas da situação tão
deficiente da educação em Portugal é interminável.
Tal como o debate sobre os meios de melhoramento.
Não é minha intenção tentar resolver a polémica. Mas
há algumas "causas" que, a meu ver, devem ser
retiradas do elenco possível. Em primeiro lugar, o
financiamento global do sistema. É sabido que
Portugal consagra à educação uma das mais elevadas
fatias do orçamento público, assim como uma das mais
altas percentagens do produto nacional. Poderá
dizer-se que o produto é reduzido e que o Orçamento
do Estado também é insuficiente. É verdade. Mas o
problema é que o produto mede as reais capacidades
do país e que a percentagem dedicada à educação é a
mais realista das medidas. Para a nossa riqueza, o
financiamento da educação revela uma nítida
prioridade.
Em segundo lugar, o número de profissionais, aquilo
a que se chama os "recursos humanos". Também não
parece de todo ser essa uma causa da mediocridade
geral. Todas as contas feitas, o número de
profissionais relativamente à população, aos grupos
etários em idade escolar e ao número de alunos e
estudantes, é muito elevado, um dos mais altos entre
os países da OCDE.
Finalmente, os equipamentos e edifícios escolares. A
insuficiência e a má qualidade destes já foram
certamente o retrato (a causa e a consequência) do
ensino deficiente. Hoje, já não são. Ainda poderão
subsistir situações de pobreza e desconforto, mas a
qualidade média é razoável.
Quer isto dizer que, havendo profissionais,
equipamentos e recursos financeiros, as causas da
crise devem ser encontradas noutros factores. Mas
podemos reter a ideia de que a desorganização é uma
variável importante e que deve ser muito elevado o
desperdício de recursos. Com efeito, se existe tudo
ou quase tudo o que é necessário e os resultados são
medíocres, forçoso é concluir que a aplicação, as
escolhas, as prioridades e os métodos são os
responsáveis.
Os programas horários, os "curricula" e a carga
disciplinar podem ser causas de insucesso. A própria
definição das disciplinas pode ter responsabilidade.
Tal como a qualidade dos manuais, a dimensão da
matéria e os métodos utilizados. A nova terminologia
linguística e a nova gramática que se prepara e de
que há já amostras na imprensa são exemplos de
decisões erradas, de exagero tecnicista, de
inadequação à maturidade intelectual dos alunos e à
preparação dos professores. A dissolução de
disciplinas clássicas, como a História e a
Geografia, dentro de áreas vastas e "transversais",
é bem má conselheira. A complexidade técnica de
várias disciplinas, incluindo a Matemática, a
Física, o "Estudo do Meio", o Português, as Ciências
Naturais e outras, com a consequente desadaptação às
capacidades dos jovens de sete a 15 anos, é
seguramente causa de muito insucesso e má
compreensão. A extensão dos programas de muitas
disciplinas é absurda.
Estes problemas deveriam ser acompanhados por
cientistas e instituições competentes, exteriores à
escola básica e secundária, assim como exteriores
aos serviços do Ministério da Educação. Estes, em
geral, não são competentes para tratar de assuntos
técnicos e científicos, por isso recorrem a docentes
em vários regimes de requisição, destacamento ou
avença. Muitos acumulam essas funções com as de
autores de manuais. A verdade é que se criou um
universo fechado, propício à estagnação e ao erro. O
ministério poderá ocupar-se da lógica geral dos
programas e dos "curricula", mas não dos conteúdos
disciplinares, nem dos respectivos métodos, manuais
e programas. Por isso considero que seria útil
procurar, no exterior deste círculo fechado,
energias e competência para melhorar o ensino.
Cada disciplina do básico e secundário deveria ser
"monitorizada" por uma instituição universitária,
devidamente contratada pelo ministério para esse
efeito, com um termo de responsabilidade de cinco a
dez anos (renováveis), a fim de poder assegurar
estabilidade e capacidade para reformar
tranquilamente e corrigir erros. A escolha da
instituição (faculdade, instituto, centro,
departamento) deveria ser feita após anúncio e
concurso públicos. Os candidatos seriam
instituições, não indivíduos, mesmo sabendo que é
importante que uma instituição tenha um dirigente
competente e prestigiado. Uma faculdade de ciências,
por exemplo, teria a responsabilidade de acompanhar
a disciplina de Física ao longo dos 12 anos de
escolaridade. Um instituto ocupar-se-ia de todo o
ensino da Matemática do 1.º ao 12.º ano.
Entre os termos de referência, teríamos, por
exemplo, a determinação da extensão dos programas, a
avaliação dos manuais, a definição do grau de
complexidade em cada ano de escolaridade, a
progressão disciplinar ao longo do percurso do aluno
e eventualmente a elaboração de provas nacionais.
Competiria também a essa instituição notar os
resultados das avaliações internas e dos exames,
advertir escolas, analisar o êxito e o insucesso,
fazer recomendações para a formação de professores,
elaborar normas e regras pedagógicas. Tudo no quadro
de uma disciplina e não no âmbito de ambiciosas e
inúteis reformas globais e integradas do sistema.
As vantagens de uma solução como esta, que
certamente também teria inconvenientes, são
inúmeras. Estaria garantida uma relativa
estabilidade de conteúdos e de métodos. Ficaria
salvaguardada a independência de uma entidade
exterior, não envolvida nas lutas profissionais e
ministeriais. Finalmente, conhecer-se-ia o
responsável pelo andamento de uma disciplina, assim
como pelos programas e pelos manuais, a quem o
público, as autoridades e os especialistas poderiam
pedir contas.
A experiência vale a pena. Há, evidentemente,
riscos. Também as faculdades não estão isentas de
defeitos e de predilecção por modas estranhas e
paradigmas exóticos. Mas seriam conhecidas e
poderiam ser chamadas à responsabilidade. Uma coisa
é certa: pior do que é actualmente não será!