Público - 30 Dez 05

Sul-coreano falsificou todos os resultados de células estaminais

Teresa Firmino

Comissão de inquérito está agora a ouvir especialistas estrangeiros

O cientista sul-coreano Hwang Woo-suk não obteve quaisquer células estaminais feitas à medida de cada doente, ao contrário do que afirmava num artigo científico publicado em Maio na revista Science. O painel da Universidade Nacional de Seul que investiga o trabalho de Hwang revelou ontem estas conclusões, que ainda não são as finais, mas representam mais uma machadada na reputação do sul-coreano, elevado à categoria de um herói nacional no ano passado.
Em 2004, Hwang começou por anunciar na Science a criação do primeiro clone humano ao qual conseguiu retirar células estaminais. Tornou-se famoso em todo o mundo.
Em Maio deste ano, também na Science, Hwang disse ter produzido, pela primeira vez, culturas de células estaminais a partir de embriões clonados com o património genético de pacientes, que poderiam ser usadas para transplantes que não teriam problemas de rejeição. O método parecia altamente eficaz, pois dizia ter criado 11 culturas.
Como as células estaminais dos embriões têm a capacidade de originar todas as células do corpo, os cientistas pensam poder vir a usá-las na regeneração de tecidos e órgãos. Doenças incuráveis como a de Alzheimer, Parkinson e a diabetes ou danos na medula espinal são apenas alguns exemplos para as imensas possibilidades trazidas pelas células estaminais, mas que agora ficaram um pouco mais longe de ser alcançadas.
"O painel não só não conseguiu encontrar células cujo ADN coincidisse com o dos doentes referidos no artigo de 2005, como acredita que a equipa de Hwang não tem dados científicos que provem que essas células estaminais tenham sido feitas", disse Roe Jung-hye, da Universidade de Seul, citada pela AP.
Na semana passada, o painel já tinha dito que, pelo menos, nove das 11 linhas de células estaminais criadas à medida dos doentes nunca tinham existido. Os dados apresentados na Science tinham sido falsificados. Nessa altura, Hwang demitiu-se da Universidade de Seul e pediu desculpa, embora não admitisse a fraude. Também avançou com um processo contra dois colegas, acusando-os de terem trocado as células. Agora, o painel diz que as restantes duas linhas também são falsas.
Mesmo outras culturas de células estaminais que Hwang disse ter obtido, mas não referiu no artigo de Maio, também parecem não ser compatíveis com ADN dos pacientes. Peritos internacionais estão a ser ouvidos sobre a questão. As conclusões finais só devem conhecer-se em meados de Janeiro.
Com este escândalo, outros trabalhos de Hwang estão a ser postos em causa, como o publicado este Verão na revista Nature, a anunciar a criação do primeiro cão clonado, o Snuppy, um galgo afegão.
As suspeitas em relação ao sul-coreano começaram quando outros cientistas sul-coreanos notaram que as fotografias das 11 células estaminais eram falsas, recorda a BBC on-line. Embora admitisse que as fotografias tinham "erros", Hwang disse que a investigação era rigorosa e que possuía as células estaminais clonadas. Seguiram-se as dúvidas éticas quanto à origem dos ovócitos utilizados para obter as células estaminais, que foram doados por subordinadas de Hwang e alguns deles comprados.
Chegaram a chamar-lhe Orgulho da Coreia e o Governo atribuiu-lhe uma soma considerável de financiamento, para prosseguir as investigações em células estaminais. O Governo admitiu já, na semana passada, retirar-lhe o apoio, mas ontem a reacção foi cautelosa, refere a AP. "Não temos uma posição oficial, porque o inquérito da Universidade de Seul ainda está em curso", referiu Nam Sang-mun, das relações públicas do Ministério da Ciência sul-coreano.

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