Expresso - 10
Dez 05
Quem nos liberta desta cruz?
Henrique Monteiro
«Esta religião, baseada num
incontrolável relativismo é o 'eduquês'.»
DEPOIS de muito se discutir a famosa questão dos
crucifixos nas salas de aula (onde apenas resistia em 20
escolas, por todo o país), talvez seja altura de discutir
algo verdadeiramente importante para a educação dos nossos
filhos. Porque é uma cruz bem mais pesada do que qualquer
crucifixo o ataque sistemático que vem sendo feito ao
conhecimento científico, ao saber e aos valores.
Vejamos um exemplo esclarecedor: está numa comunicação de
João Filipe de Matos, um dos dirigentes do Centro de
Investigação em Educação da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa e director da sua «Revista de
Educação». Este académico, responsável pela formação de
professores, parte de um princípio claro, recorrendo a uma
citação: «nas sociedades capitalistas, a escola
justifica e produz desigualdades».
Por isso, defende que - e cito para que não restem
dúvidas - «a disciplina de matemática deve ser
urgentemente eliminada dos currículos do ensino básico».
Matos prefere que se ensine - volto a citar -
«educação matemática». Ou seja, o professor tem uma
religião e quer impô-la. E o seu primeiro mandamento é que
nada se deve ensinar, salvo ensinar a aprender.
O mesmo responsável dá exemplos delirantes. Se o casal
Silva quer ir do Campo Grande ao Parque das Nações, com os
seus dois filhos, e a viagem de autocarro custa um euro por
bilhete, quanto irá pagar?
Ora a resposta normal seria quatro euros. Mas isso é
matemática antiga, cheia de mitos a que Matos quer pôr um
fim. Ao cabo de vários argumentos sociais, ecológicos e
políticos, Matos acha que quatro é muito, porque deveria
haver desconto.
EU SEI que para a maioria dos leitores o professor Matos
parece fruto da minha imaginação. Mas não é. Existe e, como
ele, existem inúmeros seguidores desta religião que, um
pouco por todo o Ministério da Educação, alastra as suas
influências. Não só em Portugal, mas à volta do mundo. Esta
espécie de religião, baseada num incontrolável relativismo,
assentou arraiais na política da educação e criou o seu
próprio credo - o «eduquês».
Graças a ela, os nossos filhos sofrem com reformas atrás
de reformas. Cada vez sabem menos e, paradoxalmente, cada
vez gastam mais tempo na escola.
Graças a esta religião, de que o prof. João Filipe Matos
é um dos mais distintos hierofantas, os valores, a sabedoria
e o conhecimento são constantemente postos em causa, como se
fosse possível educar sem regras, mas apenas com excepções.
A viagem do casal Silva ao Campo Grande é esclarecedora do
seu incontrolável relativismo: 4x1 nem sempre são quatro; a
resposta certa depende do ponto de vista do observador. E
qual é o ponto de vista do prof. Matos? Lembrem-se da
citação inicial: nas sociedades capitalistas, a escola
justifica e produz desigualdades. Ele quer-nos todos iguais,
autómatos de um sistema comandado pelas suas ideias sobre o
mundo e a vida. Do seu lugar da academia, o prof. Matos
forma os professores dos nossos filhos. E todos nós acabamos
a carregar a cruz que é a desgraça do seu ensino. Quem nos
liberta desta cruz?