Diário de Notícias - 05
Dez 05
Laicismo
Francisco
Sarsfield Cabral
A polémica sobre os crucifixos nas escolas tem passado ao lado do essencial a
liberdade de ensino. Sendo o Estado agnóstico, deveria apoiar a educação dos
filhos de quem não pode pagar colégios, incluindo os que preferem uma educação
orientada por valores religiosos. Mas adiante.
A Igreja portuguesa, como aliás a francesa, vive hoje confortável no regime de
separação do Estado, que tanta indignação provocou há um século. É certo que
parece ainda existir um ou outro nostálgico do tempo em que o catolicismo era a
religião oficial do Estado, sendo então as outras confissões proibidas no espaço
público. Mas a polémica dos crucifixos evidenciou, sobretudo, a vontade de
alguns de reduzirem a religião à esfera estritamente privada. Este laicismo -
que se distingue de uma saudável laicidade do Estado - está errado por duas
razões.
Primeiro, porque os símbolos católicos têm em Portugal uma dimensão histórica,
sociológica e cultural inegável. Faria sentido, então, acabar com o feriado do
Natal? Ou tapar as fachadas das igrejas, para não serem vistas? Não, claro, como
seria absurdo eliminar em Israel feriados da religião judaica. Aliás, ainda não
vi reclamar a eliminação de símbolos maçónicos em estátuas e monumentos nas
nossas ruas, por ofenderem os que não partilham tais convicções. E os
crucifixos, ofendem alguém? Haja bom senso.
Depois, é antidemocrático o laicismo que não tolera qualquer sinal religioso no
espaço público. Cito o filósofo agnóstico Habermas "A neutralidade ideológica do
poder do Estado, que garante idênticas liberdades éticas a todos os cidadãos, é
incompatível com a generalização política de uma mundividência laica". Ou seja,
sob a capa da neutralidade não se pode impor a todos, na prática, uma
determinada concepção da vida e dos valores.
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