O novo regime da aposentação dos
trabalhadores do Estado entra em vigor exactamente
dentro de quatro semanas. Até lá, prevê-se que os
pedidos disparem, ultrapassando os valores-recorde
de 2002, e se fixem acima dos 40 mil. De acordo com
a maioria das simulações, os trabalhadores saem
largamente prejudicados com o novo regime. Em muitos
casos terão que trabalhar mais cinco anos do que no
regime actual para conseguir a reforma sem
penalizações.
As novas regras para a reforma na
Administração Pública provocaram uma corrida aos
pedidos de aposentação no segundo semestre do ano.
Os 5221 pedidos do mês de Outubro só foram
ultrapassados em Dezembro de 2002, motivados também
pelas alterações introduzidas por Manuela Ferreira
Leite nas condições de acesso a esse benefício. Se
os meses de Novembro - os números do último mês só
se saberão dentro de duas semanas - e Dezembro
registarem valores iguais à média dos dez primeiros
do ano, 2005 fechará com mais de 40.600 novos
pedidos de aposentação, um recorde absoluto.
Desde que as alterações foram anunciadas no final de
Maio, foram entregues 21.328 pedidos de passagem à
reforma na Caixa Geral de Aposentações (CGA) entre
Junho e o final de Outubro, mais 125 por cento do
que no mesmo período do ano passado. Depois de uma
média mensal a rondar os 2500 processos até final de
Maio, os pedidos dispararam para cima dos 4200 em
Junho. Até mesmo Agosto, tradicionalmente mais fraco
nestas andanças de processos burocráticos, foi
superior à larga maioria dos meses desde o início do
ano.
A ideia de serem obrigados a trabalhar mais tempo do
que o que previam e também o aproximar do limiar dos
60 anos de idade e dos 36 anos de serviço
necessários para a reforma já levou, desde Janeiro,
33.878 funcionários a pedirem à CGA a abertura do
seu processo de aposentação.
Estes números não significam, no entanto, que há já
quase 34 mil funcionários "à porta" da Administração
Pública - o que seria um passo largo para o
cumprimento do objectivo do Governo de reduzir 75
mil funcionários em quatro anos. Muitos processos
serão entretanto suspensos a pedido dos
funcionários, porque, por exemplo, não lhes agrada o
valor da pensão que irão receber no caso de não
terem a idade e/ou a carreira contributiva
completas. E haverá também uma boa parte dos pedidos
cujo deferimento só será feito já em 2006. As
condições de aposentação são, no entanto, calculadas
à data do registo do pedido nos serviços.
Em nome da equidade
e da sustentabilidade
Anunciado sob a bandeira da equidade e da justiça
social, o pacote de alterações às condições de
aposentação na função pública visa, no entanto, em
primeiro lugar, garantir a sustentabilidade
financeira do sistema que, se nada fosse alterado,
se aproximava rapidamente da ruptura. Olhando as
tabelas evolutivas de subscritores e de
beneficiários, percebe-se porquê: o total dos
beneficiários mais do que duplicou entre 1988 e 2004
- cresceu 106 por cento -, ao passo que os
contribuintes do sistema cresceram apenas 20 por
cento. A rácio entre uns e outros, que era em 1988
de uns confortáveis 2,58, estava há um ano nuns
comprometedores 1,5.
A intenção de José Sócrates de reduzir o quadro
laboral público vai ajudar a piorar estes rácios,
mas em termos financeiros a situação não se
depreciará com tanta rapidez. Com as alterações, o
Estado prevê poupar cerca de 200 milhões de euros
até ao final da legislatura, cabendo a maior fatia,
de pouco mais de metade, a 2009.
Em suma, as alterações visam a convergência do
regime de aposentação da função pública com as
regras do regime geral da Segurança Social até 2015
e irão afectar perto de 500 mil pessoas - de um
total de quase 740 mil funcionários públicos. A CGA
deixa de receber novos subscritores a partir de 1 de
Janeiro; a idade e a carreira contributiva mínimas
necessárias cumulativamente para a aposentação sem
penalizações são aumentadas gradualmente seis meses
por ano, a primeira dos 60 para os 65 anos, a
segunda dos 36 para os 40 anos; a fórmula de cálculo
da pensão para os funcionários anteriores a 1 de
Setembro de 1993 passa a incluir duas parcelas, que
abrangem a carreira antes e depois de 1 de Janeiro;
é criada uma bonificação alternativa de redução de
seis meses na idade mínima por cada ano a mais na
carreira.
Mais: o Governo decidiu também alterar um largo
conjunto de regimes especiais de aposentação
existentes na Administração Pública, que abrangem
desde os militares aos professores, dos magistrados
aos enfermeiros e titulares de cargos políticos.
Apesar das mexidas, algumas ainda em discussão, dos
cerca de 230 a 250 mil trabalhadores nestas
condições, haverá, no entanto, alguns que
continuarão a ser mais especiais que outros.
Todo este processo não tem sido pacífico e já
motivou greves e manifestações. Acusados de terem
mais privilégios que os trabalhadores do sector
privado, os funcionários públicos e os sindicatos
têm-se esforçado por fazer passar a ideia de que
todo o mal da administração pública está na falta de
organização, de gestão e de responsabilização dos
cargos de chefia.