Diário Digital - 27 Dez 03
Bom senso
Hermínio Santos
O ano que está a acabar não foi um bom ano para Portugal. O assunto Casa
Pia dominou tudo, varreu tudo à sua volta, pôs a Justiça com a cabeça a
prémio, os cidadãos perplexos com as enormes teias de leis que os cercam,
os advogados a contestar abertamente o sistema, os polícias suspeitos de
escutarem para além do que deviam, os jornalistas a informarem para além
do que deviam, os políticos a mostrarem as suas fragilidades. A Casa Pia
ainda só agora começou mas nunca mais sairá da História de Portugal.
O ano de 2003 foi o ano Casa Pia mas é bom não esquecer que foi também
mais um ano em que os portugueses continuaram a praticar a sua guerra
civil nas estradas, Governo e oposição entraram a fundo nas estratégias da
manipulação e da irresponsabilidade, a família Soares e Paulo Portas
começaram a travar uma guerra muito particular, o povo rendeu-se aos novos
estádios, os ministros continuaram a demitir-se por causa de escândalos
publicados nos jornais e Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix atearam a
contestação à política governamental. Neoliberal, diz a oposição;
reformista, diz o Executivo.
No ano que agora chega ao fim - com os últimos dias a serem marcados
novamente pela Casa Pia - os tribunais conseguiram terminar o caso Moderna
(para grande alívio de Paulo Portas) mas esqueceram-se de Costa Freira e
os lisboetas viram que na sua cidade um buraco na via pública pode engolir
um autocarro. Também constatou que no Terreiro do Paço o Metro continua às
voltas com um verdadeiro case study da engenharia.
O País todo verificou, impotente, que não tinha capacidade de gestão para
combater os fogos. Confirmou-se também a recessão mas no Natal, com os
bolsos cheios e o cartão de crédito à mão, os centros comerciais voltaram
a encher-se de gente, num verdadeiro burburinho consumista. Obviamente que
os comerciantes continuarão a queixar-se de tudo, desde o Governo à praga
do PEC e dos centros comerciais, e a dizer que foi um mau ano.
Em 2003, os portugueses continuaram a praticar o seu desporto favorito:
não pagar impostos. O Estado também não se ralou muito. O Governo pôs uma
notícias a circular nos jornais, foi ao Parlamento dizer que sim, estava
empenhadíssimo no combate à evasão fiscal, mas depois os números são o que
são.
O ano que chega ao fim não foi um bom ano para Portugal - do mundo nem
vale a pena falar (continuou tão hipócrita e cínico como estava em
2002...) - e faltou, mais uma vez, uma coisa chamada bom senso. É só isso
que se deseja para 2004: um pouco mais de bom senso.
hsantos@dinheirodigital.pt |