Jornal de Notícias - 21 Dez 03

Manuais escolares com gralhas e erros de palmatória

Livro de Geografia do 10.º ano anuncia duplicação da população portuguesa entre 1997 e 2000

Fernando Basto

"A população quase duplicou entre 1997 e 2000". A asserção, referente à população portuguesa, arrasa com a verdade estatística resultante do Censos 2001. Contudo, ela consta de um manual de Geografia do 10.º ano - o segundo mais vendido no país -, a par com outros erros considerados graves por estudiosos da matéria. Num outro manual de Música do 3.º ciclo, entre outras imprecisões, pede-se ao aluno que descreva "auditivamente" estruturas sonoras. Os pais mostram-se indignados por pagar, anualmente, "rios de dinheiro" por manuais repletos de asneiras. As comissões científico-pedagógicas para apreciação da qualidade dos manuais nunca funcionaram, apesar de previstas na lei. Numa tentativa de remediar a situação, o ministro da Educação lançou o "top livros". Contudo, o critério de vender mais parece não servir como etiqueta de qualidade.

Jorge - chamemos-lhe assim - garante que na sua turma já instituíram o prémio da caça ao erro no livro de Geografia do 10.º ano. "São tantos os disparates, que todos os dias descobrimos qualquer coisa nova", salientou. O pai, menos entusiasmado, mostrou a sua indignação pelo que considerou ser uma "catadupa de erros" no manual adoptado.

"Todos os anos, somos obrigados a despender pequenas fortunas em livros escolares e é de lamentar que apresentem erros desta natureza", referiu.

O manual em questão pertence à Areal Editores e foi lançado, este ano lectivo, pela primeira vez, de acordo com o novo programa curricular.

"Dizer que a população portuguesa quase duplicou entre 1997 e 2000 é a maior das idiotices que se pode ler num manual escolar", exemplificou o encarregado de educação.

Entre os outros erros que listou, estão a errada marcação do Trópico de Capricórnio (marcado com menos de 20 graus quando tem 23 graus e 27 minutos), um mapa com erros no espaçamento dado aos paralelos, outro mapa onde o intervalo de classe da densidade populacional por concelhos não é o mesmo e gráficos mal construídos.

Questionado o Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, as falhas detectadas foram consideradas como "erros graves", alguns de carácter científico e outros que poderão ser considerados gráficos.

Os investigadores lamentaram o divórcio que afirmam existir entre os Ensino Básico e Secundário e o Superior. "As faculdades raramente olham para os manuais e isso é mau. O facto de as editoras pagarem mal faz com que a qualidade dos autores também diminua", salientaram. Contudo, sublinharam que, mais do que erros da autora, o livro de Geografia evidencia uma fraca revisão de provas.

Por seu turno, Diogo Santos, da Areal Editores, considerou que apenas foram detectadas algumas "gralhas", que recusou classificar de erros, as quais serão objecto de emendas na próxima edição. "Trata-se de situações de pormenor, que acontecem sempre numa primeira tiragem e que só se verificam nas primeiras páginas de um manual que tem 384 distribuídas por dois volumes", justificou.

Outro manual escolar alvo de críticas tem sido o "Musicando", da Editorial O Livro e destinado ao 3.º ciclo do Ensino Básico. De acordo com especialistas em música contactados pelo JN, o manual - o terceiro mais vendido no país - está eivado de erros crassos, além de tratar a história da música e da humanidade com "uma ligeireza irresponsável".

Entre as competências que os autores pretendem ver desenvolvidas nos alunos está a capacidade de descrever "auditivamente" estruturas sonoras.

O JN tentou ouvir o editor em causa, não tendo, no entanto, obtido qualquer resposta.

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