Ecclesia - 16 Dez 03
Gostar da Vida
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Ao reflectir sobre este ano que passou fiquei maravilhada com o facto de
ter sido um ano cheio de vida nova. Vivemos intensamente as gravidezes e
os nascimentos da nossa primeira neta e de três sobrinhas-netas - foi de
facto um ano muito feminista. A primeira, em Janeiro, foi a Caroline,
filha de um sobrinho. A nossa filha beneficiou muito de ser a segunda
pois, durante a gravidez, foi recebendo da mãe da Caroline, uma série de
livros que explicavam detalhadamente o desenvolvimento do bebé. Fomos
sabendo que às 20 semanas a Leonor já ouvia, que podíamos falar com ela e
que ela aprendia a reconhecer as nossas vozes. Menos informada em 1973,
lembro-me de me ter assustado quando, grávida de seis meses, durante uma
festa o meu bebé começou a "dançar".
De facto, nos últimos vinte anos o desenvolvimento da tecnologia
ecográfica abriu uma janela para o mundo do bebé ainda por nascer. Desde o
princípio os pais acompanham o crescimento do seu filho/a visualmente. Do
excitamento de ouvir, ou mesmo ver, o coração a bater a partir da sexta
semana, passam pela antecipação de conhecerem o sexo da criança a partir
do terceiro mês de gravidez, embora os órgãos reprodutores já tenham
começado a ser formados a partir da nona semana.
Lembro-me de ler que no Século XV e XVI, em Inglaterra, muitos pais não
punham nome ao primeiro filho até ele atingir um ano de idade. A taxa de
mortalidade infantil era tão alta que não "valia a pena" pôr um "nome de
família" a uma criança que provavelmente ia morrer para depois, mais
tarde, se pôr o mesmo nome a outro filho. Hoje em dia damos nome aos bebés
e, portanto identidade, muito antes do seu nascimento. Assim, quando a
Leonor, nossa neta, nasceu em Março já tinha nome, já sabíamos que era uma
rapariga de peso médio, só nos faltava ver a cara. Numa noite de
tempestade, com trovões, relâmpagos e chuva torrencial a bater na
clarabóia do hospital, nós, os avós e padrinho, fomos apresentados a uma
menina de olhos bem abertos que olhava para nós com uma serenidade
comovente. A seguir vinha a Maria, filha de outro sobrinho. Sabíamos que,
com aproximadamente oito semanas de vida intra-uterina, já tinha um
sistema nervoso e órgãos digestivos primitivos e que se estavam a formar
os dedos das mãos e dos pés, mas ainda faltavam mais oito semanas para a
pele engrossar e se distinguirem as impressões digitais e plantares.
Apanhámos um susto a certa altura quando se pôs a hipótese de a Maria ter
sido afectada por um vírus que poderia ter passado o "filtro" da placenta,
mas a Maria continuou a desenvolver bem, nasceu no último dia de Outubro e
foi hoje (dia 13 de Dezembro) baptizada.
Agora só faltava nascer a Matilde, filha de uma das minhas sobrinhas. A
Matilde resolveu adiantar-se e nasceu um mês antes do tempo, em meados de
Novembro. Podia ter sido causa de aflição mas, de facto, foi um alívio
para todos nós, pois a gravidez da Matilde tinha se tornado complicada.
Entre o quarto e o quinto mês o médico notou que havia um bloqueio no
intestino da Matilde, o que foi confirmado nas ecografias seguintes, e a
gravidez passou
a ser considerada de risco. Enquanto a Matilde não nascia o problema não
era muito significante, pois os bebés não nascidos alimentam-se através do
cordão umbilical. No entanto, no sétimo mês, o bebé já engole líquido
amniótico e chucha no dedo (uma aprendizagem essencial para que possa
mamar após o nascimento) e, neste caso, a absorção do líquido podia ser
afectada pelo bloqueio, e uma parte do intestino ficar dilatada, o que
iria dificultar a cirurgia necessária após o seu nascimento. Previa-se que
a Matilde teria de ser operada poucas horas após o parto e que teria de
ficar internada durante seis semanas. O seu primeiro Natal seria passado
num hospital, se tudo corresse bem. Não foi necessário com a Matilde, mas
há bebés que já são operados in utero. Por vezes detectam-se problemas que
poderiam ameaçar a vida do bebé após o nascimento, mas são passíveis de
correcção cirúrgica. A barriga da mãe é aberta, o bebé é operado e
recolocado dentro do útero. Nunca esquecerei ter visto uma fotografia
tirada durante uma operação a um bebé com cerca de cinco meses de
gravidez, em que se via a mão mínima do bebé agarrada ao dedo mindinho do
cirurgião. A partir das vinte semanas a mão do bebé já pode segurar com
firmeza.
Os médicos da Matilde resolveram que seria melhor provocar o parto a
partir do momento que se provasse que o seu organismo estava
suficientemente "maduro" (por volta do oitavo mês), para que o intestino
não dilatasse mais. Foi feita uma ecografia e com espanto e alegria
notou-se que o bloqueio tinha desaparecido. Nova ecografia confirmou este
facto, mas, provavelmente devido ao stress sentido durante estes meses
pelos pais da Matilde, no dia seguinte a Matilde nasceu sã e escorreita,
embora muito pequenina. Novos exames provaram que tudo estava bem. Vamos
partilhar o nosso Natal de família com quatro meninas que o vivem pela
primeira vez. Vamos pensar em todas aquelas mães (e pais) que vivem a sua
gravidez em solidão ou desespero por variadíssimas razões. E porquê não
tentarmos todos estar atentos ao que se passa à nossa volta, e estendermos
a mão àquelas mulheres que, descobrindo que estão grávidas, não vêm uma
luz ao fundo do túnel?
Mary Anne d'Avillez, Enfermeira |