Diário de Notícias - 30 Dez 02

Imigração, regresso ao futuro

João César das Neves

Portugal, velho país de emigrantes tornou-se país de imigrantes. Com quase 5 por cento de estrangeiros na população residente, estamos a despertar para um problema que, no entanto, temos obrigação de conhecer bem. É urgente evitar cinco graves erros económicos que sempre rodearam a migração, fenómeno de todos os tempos. Os portugueses, vítimas dessas falácias no passado, não podem repetir o mal que sofreram.

O primeiro erro é o de confundir imigração com invasão. É comum temer os estrangeiros que se radicam entre nós como uma enxurrada que nos vem dominar. Mas é bom lembrar aqui que os invasores somos nós. Nós é que somos os herdeiros dos que atacaram a Península, celtas (séc. VIII aC), romanos (séc. II aC), alanos (séc. V), visigodos (séc. VII), mouros (séc. VIII), entre outros. Os últimos que o tentaram foram os franceses há 200 anos, sem grande sucesso. Os actuais imigrantes nada têm em comum com isso. A grande diferença é que o seu propósito é favorável ao nosso progresso. Eles não vêm destruir Portugal, mas crescer com a nossa prosperidade.

O segundo erro é o de considerar os imigrantes como uma escumalha, pessoas de má qualidade, criminosos que degradam a nossa sociedade. Mas todos os estudos mostram que os que imigram são exactamente os melhores elementos do seu povo. São aqueles com iniciativa e dinamismo para reagir e viajar em busca de melhor vida. Eles trazem essas capacidades preciosas para o nosso país e põem-nas ao nosso serviço. É verdade que, por vezes, aparecem crimes ligados a imigrantes. Mas é bom compreender que a origem é, não a condição de estrangeiro, mas a falta de integração. Portugal vive já um exemplo evidente, porque a nossa experiência com a imigração é mais antiga do que parece. Nos bairros degradados, a segunda geração dos «retornados» de África de 1975 não está disposta a aceitar as condições em que os pais trabalharam. Por isso começa a entregar-se ao vício, a gangs e à violência. Este é o custo do desinteresse a que há décadas foram votados.

O terceiro erro é tomar os imigrantes como parasitas, que roubam a nossa riqueza e ocupam os nossos empregos. Mas ninguém tem dúvidas que eles vêm fazer aquelas tarefas mais difíceis e sujas, que nós já não queremos fazer. Assim, tal como antes os portugueses na Europa, o contributo destes trabalhadores é não só válido, mas vital para o desenvolvimento. Como se explica então a persistência da acusação de parasitismo, repetida por tantos extremistas? Ela nasce de uma das mais antigas confusões económicas, a tese do «jogo de soma nula». Muitos insistem em ver a economia como uma actividade de mera distribuição, onde o que uns ganham outros perdem. A variante deste erro no campo laboral é a teoria do «montante fixo de trabalho» o qual, se fôr feito por uns, desemprega outros. Mas a actividade económica é desenvolvimento, criação e aproveitamento de oportunidades, sem limites ou divisões. A história concreta da emigração, portuguesa ou outra, mostra isso à evidência.

O quarto é um dos mais antigos inimigos da economia, o «erro do mercantilismo». Esta ideia identifica a riqueza nacional com o saldo da balança externa e o nível de reservas cambiais do País. Isso leva muitos a criticar as remessas que os imigrantes enviam para a família como um roubo a Portugal. Mas a riqueza de um país é o bem-estar do seu povo. A produção que os imigrantes realizam fica cá e contribui para o nosso desenvolvimento. Se eles, da remuneração que lhes cabe (muitas vezes parca e injusta), usarem parte para enviar para os seus, qual é o mal disso?

O quinto erro vê a imigração como um número a ser controlado. Por isso, a chamada «política de imigração» parece reduzir-se ao processo de legalização. Assim, o poder político dificulta a vida aos imigrantes e promove a sua fragilidade e exploração. Mas a verdade dessa política é bem mais vasta. Começa logo com o facto de ser o Governo o maior promotor da entrada de estrangeiros. Apostando em «projectos de desenvolvimento» que os portugueses não querem construir, como as estradas, o Alqueva, os estádios do Euro 2004, ele gera obras que exigem os imigrantes. Depois, tendo-os tornado indispensáveis e descurando os mecanismos do seu acolhimento e integração, ainda lucra com eles.

De facto, num estudo recente do Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, demonstra-se que a imigração tem tido um impacte largamente positivo sobre as nossas contas públicas. Este resultado não admira. O Orçamento português é um mecanismo de redistribuição que tira aos trabalhadores para dar a políticos, funcionários, médicos, professores, etc. Como os imigrantes são todos trabalhadores e nenhum é político ou funcionário, claro que têm de ser contribuintes líquidos para o OE.

Portugal recebe estrangeiros pobres. Isso só pode ser um bom sinal do nosso passado e uma boa notícia para o nosso futuro. Mas temos de evitar cometer cá, no futuro, os erros que sofremos lá, no passado.