Público - 22 Dez 02

"A Aventura da Leitura É Mais Importante do Que a Qualidade dos Livros"
Por JOANA GORJÃO HENRIQUES

Henk Kraima, director da Fundação para a Promoção Colectiva do Livro Holandês, diz que, mais importante do que aquilo que lêem é as crianças se habituarem a pegar num livro. Porque só a partir dos 15 anos é que se pode entender o que é boa literatura.

Defende que as crianças não estão interessadas na boa literatura mas numa boa história. "Nessa fase, a aventura da leitura é mais importante do que a qualidade", diz Henk Kraima, director da Fundação para a Promoção Colectiva do Livro Holandês (CPNB), que esteve em Portugal em Novembro, numa conferência no Instituto Português do Livro e das Bibliotecas.

Na Holanda, a fundação desenvolve campanhas como a semana do livro infantil e o prémio de melhor livro do ano nacional, escolhido nas livrarias (só no Natal vendem-se entre 50 a 100 mil exemplares do premiado). Kraima quer alargar a iniciativa à Europa. Desde que em 1983 a fundação passou a ser financiada por editores e livreiros, o mercado editorial holandês sofreu uma alteração profunda: a literatura representava 15 por cento dos livros vendidos e subiu para 25 por cento, e os livros para crianças representavam 5 por cento e subiram para 12
por cento.

PÚBLICO - Que truques se podem usar para incentivar as crianças a ler?
Henk Kraima - Na Holanda os professores dão muita atenção ao estímulo do prazer da leitura. As crianças lêem livros em voz alta nas aulas e têm que falar sobre eles, porque o melhor estímulo para a leitura é ouvirmos alguém que conhecemos falar entusiasticamente sobre um livro. O mais importante nesta idade não é o que se lê mas é ler, é pegar num livro e ficar com esse hábito. Na Holanda, fizemos um inquérito a pessoas que hoje são importantes na literatura - professores, críticos, jornalistas, etc - perguntando o que tinham lido quando eram crianças. Leram de tudo, do bom ao péssimo e 70 por cento dos títulos que os tinha marcado era lixo. É preciso ler-se muito até se descobrir do que se gosta mesmo.

Quando essas estratégias não são desenvolvidas na escola, o que se pode fazer?

A escola é importantíssima. Quando há livros em casa é mais fácil para as crianças pegarem num livro. O mesmo se passa com as conversas: se um pai só fala de futebol com o filho, ele só se interessa por futebol. Todos temos boas memórias da leitura, de começar a ler um livro e não parar até chegar ao fim. E há uma teoria: quando as pessoas crescem procuram recuperar essa experiência. A melhor forma de promover a leitura é ler um bom livro: depois queremos ler mais.

O que pode entusiasmar as crianças num livro?
Uma muito boa história. A boa literatura é muito bonita mas quando as crianças não gostam, não se deve forçar. Nesta fase, a aventura da leitura é mais importante do que a qualidade - que ganha importância quando se cresce. Não se deve tentar fazer das crianças pessoas perfeitas. A fase mais difícil é entre os 12 e os 18 anos. Até aos 10, 11 anos pode-se estimular imenso as crianças. Há cinco anos atrás o sistema educativo holandês cometia um erro: aos 12 anos ensinava-se literatura holandesa o que era muito difícil (só se pode fazê-lo aos 16 anos). Nessa idade não interessa o que lêem, interessa é que leiam e que saibam que é possível que um livro conte uma história, tenha ideias e dê prazer. Pode-se começar a falar de qualidade a partir dos 15, 16 anos, explicar porque é que Shakespeare, Pessoa e Saramago são importantes.
Antes disso, é difícil. Mas o sistema foi mudado. Agora, até aos 14, 15 anos, não é necessário falar de literatura mas de leitura.


Porque é que entre os 12 e os 18 anos a receptividade a esses estímulos diminui?

É uma fase importante no caminho que percorrem até se tornarem adultos. E na sociedade há todo o tipo de pessoas. Temos que aceitar que há uma parte que não gosta de ler, outra que nunca se preocupa com o desporto, outra que não se interessa pela política... É uma função da sociedade tornar possível que todos os que queiram ler possam fazê-lo, por isso as bibliotecas públicas são incrivelmente importantes. E claro que é uma das funções dos professores estimular o prazer da leitura nos mais novos. Acredito que dar bons livros, no momento certo, funciona como um grande estímulo. Na nossa organização tentamos mostrar que há imensos livros sobre imensas coisas. Na Holanda as pessoas viajam imenso nas férias, para todo o mundo. Propomos livros que tenham a ver com os sítios para onde as pessoas vão. Por exemplo, se vierem a Lisboa, recomendamos "Ensaio sobre a Cegueira", de Saramago. É uma iniciativa que tem enorme sucesso.