PR sugere manutenção do divórcio culposo mas
Guilherme de Oliveira, autor da lei, contesta e nega
que mulheres fiquem mais desprotegidas
O Presidente da República (PR), Cavaco Silva,
colocou ontem um travão à nova lei do divórcio e
pediu à Assembleia da República que reaprecie o
diploma. Para o chefe de Estado, as novas regras
deixam mais desprotegidos os filhos menores e o
cônjuge em situação de maior fragilidade económica
e, além disso, introduzem uma "visão contabilística"
no casamento.
Os fundamentos do veto presidencial indignaram
Guilherme de Oliveira, o especialista em Direito da
Família que ajudou a desenhar o regime proposto pelo
PS, segundo o qual a argumentação aduzida "é de um
ridículo extraordinário".
Aprovada no dia 4 de Julho com os votos favoráveis
do PS, PCP, BE, Verdes e de alguns deputados do PSD,
a nova lei do divórcio já tinha levado alguns
advogados e juízes a manifestarem-se contra, por
causa do alegado risco de aumento da litigância nos
tribunais. Noutra frente, o Fórum da Família chegou
a somar numa petição on-line mais de cinco mil
assinaturas preocupadas com a manutenção do
casamento. Cavaco adoptou alguns desses argumentos
e, no pedido de reapreciação do diploma, sugere
mesmo que "para não agravar a desprotecção da parte
mais fraca, o legislador deveria ponderar em que
medida não seria preferível manter-se, ainda que
como alternativa residual, o regime do divórcio
culposo".
Trata-se de uma sugestão incompreensível para
Guilherme de Oliveira que, juntamente com a
socióloga Anália Torres, desenhou o novo regime
jurídico. "Onde é que a culpa protege alguém?! A
culpa desapareceu da lei na Alemanha há 32 anos,
numa orientação que é comum a todos os países
europeus que sabem que o que a culpa faz é arrastar
o divórcio em tribunal e torná-lo ainda mais
doloroso", reagiu ao PÚBLICO, considerando que o PR
se pôs ao lado "dos que querem manter o casamento
como um seguro de vida patrimonial".
O fim do divórcio por violação culposa dos deveres
conjugais é a pedra-de-toque da nova lei que prevê o
divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges,
desde que assente em "causas objectivas" como a
separação de facto por um ano consecutivo ou a
alteração das faculdades mentais do outro cônjuge.
Ora, o PR considera "no mínimo singular" que "um
cônjuge que viole sistematicamente os deveres
conjugais possa de forma unilateral e sem mais"
obter o divórcio. "Numa situação de violência
doméstica, em que o marido agride a mulher ao longo
dos anos, é possível aquele obter o divórcio
independentemente da vontade da vítima de maus
tratos", exemplifica Cavaco. O chefe de Estado
admite ainda outro cenário: a possibilidade de o
autor dos maus tratos poder exigir que o ex-cônjuge
lhe pague montantes financeiros, por via dos
chamados créditos de compensação. Para Cavaco, estes
introduzem uma visão contabilística" do casamento,
"em que cada um dos cônjuges é estimulado a manter
uma conta-corrente das suas contribuições".
Cônjuge credor do outro
Para Guilherme de Oliveira, "esse raciocínio está
cem por cento errado". A nova lei diz que, se a
contribuição de um dos cônjuges para os encargos da
vida familiar exceder manifestamente a parte que lhe
pertencia, esse cônjuge torna-se credor do outro.
Mas a mesma lei estabelece que o recurso aos
créditos de compensação só poderá verificar-se
quando haja "manifesta desigualdade de contributo
dos cônjuges para os encargos da vida familiar". Ou
seja, "um marido que ganhe mais e que contribua mais
para o casamento não tem direito a nada, porque a
lei diz que cada um tem obrigação de contribuir em
harmonia com as suas possibilidades", explicita
Oliveira, acrescentando que o mecanismo é aplicável,
isso sim, nos casos "em que uma mulher tenha deixado
de trabalhar para cuidar da família".
Cavaco insurge-se ainda contra o facto de a nova lei
prever que, no momento do divórcio, a partilha dos
bens passe a fazer-se como se os cônjuges estivessem
em comunhão de adquiridos, mesmo que o regime
convencionado tenha sido a comunhão geral. "O
cônjuge violador dos deveres conjugais pode
prevalecer-se desta disposição, requerendo
unilateralmente o divórcio e conseguindo que, na
partilha, o outro receba menos do que aquilo a que
teria direito nos termos do regime de bens em que
ambos escolheram casar", critica o PR sobre o que
considera uma restrição à "autonomia privada" e à
"liberdade contratual". Na reacção, o mentor da lei
sustenta que "o que se pretende é evitar que as
pessoas ganhem dinheiro à custa do casamento". Ou
seja, "mesmo que as pessoas tenham convencionado a
comunhão geral, o divórcio significa o falhanço
desse projecto e, portanto, cada um deve sair com o
que é seu".
3 de Setembro é a data em que os líderes
parlamentares decidirão quando será reapreciada a
nova lei