Público última hora  - 21 Ago 08

 

Cavaco trava nova lei do divórcio
Natália Faria

 

PR sugere manutenção do divórcio culposo mas Guilherme de Oliveira, autor da lei, contesta e nega que mulheres fiquem mais desprotegidas

 

O Presidente da República (PR), Cavaco Silva, colocou ontem um travão à nova lei do divórcio e pediu à Assembleia da República que reaprecie o diploma. Para o chefe de Estado, as novas regras deixam mais desprotegidos os filhos menores e o cônjuge em situação de maior fragilidade económica e, além disso, introduzem uma "visão contabilística" no casamento.

 

Os fundamentos do veto presidencial indignaram Guilherme de Oliveira, o especialista em Direito da Família que ajudou a desenhar o regime proposto pelo PS, segundo o qual a argumentação aduzida "é de um ridículo extraordinário".

 

Aprovada no dia 4 de Julho com os votos favoráveis do PS, PCP, BE, Verdes e de alguns deputados do PSD, a nova lei do divórcio já tinha levado alguns advogados e juízes a manifestarem-se contra, por causa do alegado risco de aumento da litigância nos tribunais. Noutra frente, o Fórum da Família chegou a somar numa petição on-line mais de cinco mil assinaturas preocupadas com a manutenção do casamento. Cavaco adoptou alguns desses argumentos e, no pedido de reapreciação do diploma, sugere mesmo que "para não agravar a desprotecção da parte mais fraca, o legislador deveria ponderar em que medida não seria preferível manter-se, ainda que como alternativa residual, o regime do divórcio culposo".

 

Trata-se de uma sugestão incompreensível para Guilherme de Oliveira que, juntamente com a socióloga Anália Torres, desenhou o novo regime jurídico. "Onde é que a culpa protege alguém?! A culpa desapareceu da lei na Alemanha há 32 anos, numa orientação que é comum a todos os países europeus que sabem que o que a culpa faz é arrastar o divórcio em tribunal e torná-lo ainda mais doloroso", reagiu ao PÚBLICO, considerando que o PR se pôs ao lado "dos que querem manter o casamento como um seguro de vida patrimonial".

 

O fim do divórcio por violação culposa dos deveres conjugais é a pedra-de-toque da nova lei que prevê o divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges, desde que assente em "causas objectivas" como a separação de facto por um ano consecutivo ou a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge. Ora, o PR considera "no mínimo singular" que "um cônjuge que viole sistematicamente os deveres conjugais possa de forma unilateral e sem mais" obter o divórcio. "Numa situação de violência doméstica, em que o marido agride a mulher ao longo dos anos, é possível aquele obter o divórcio independentemente da vontade da vítima de maus tratos", exemplifica Cavaco. O chefe de Estado admite ainda outro cenário: a possibilidade de o autor dos maus tratos poder exigir que o ex-cônjuge lhe pague montantes financeiros, por via dos chamados créditos de compensação. Para Cavaco, estes introduzem uma visão contabilística" do casamento, "em que cada um dos cônjuges é estimulado a manter uma conta-corrente das suas contribuições".

 

Cônjuge credor do outro

 

Para Guilherme de Oliveira, "esse raciocínio está cem por cento errado". A nova lei diz que, se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar exceder manifestamente a parte que lhe pertencia, esse cônjuge torna-se credor do outro. Mas a mesma lei estabelece que o recurso aos créditos de compensação só poderá verificar-se quando haja "manifesta desigualdade de contributo dos cônjuges para os encargos da vida familiar". Ou seja, "um marido que ganhe mais e que contribua mais para o casamento não tem direito a nada, porque a lei diz que cada um tem obrigação de contribuir em harmonia com as suas possibilidades", explicita Oliveira, acrescentando que o mecanismo é aplicável, isso sim, nos casos "em que uma mulher tenha deixado de trabalhar para cuidar da família".

 

Cavaco insurge-se ainda contra o facto de a nova lei prever que, no momento do divórcio, a partilha dos bens passe a fazer-se como se os cônjuges estivessem em comunhão de adquiridos, mesmo que o regime convencionado tenha sido a comunhão geral. "O cônjuge violador dos deveres conjugais pode prevalecer-se desta disposição, requerendo unilateralmente o divórcio e conseguindo que, na partilha, o outro receba menos do que aquilo a que teria direito nos termos do regime de bens em que ambos escolheram casar", critica o PR sobre o que considera uma restrição à "autonomia privada" e à "liberdade contratual". Na reacção, o mentor da lei sustenta que "o que se pretende é evitar que as pessoas ganhem dinheiro à custa do casamento". Ou seja, "mesmo que as pessoas tenham convencionado a comunhão geral, o divórcio significa o falhanço desse projecto e, portanto, cada um deve sair com o que é seu".

 

3 de Setembro é a data em que os líderes parlamentares decidirão quando será reapreciada a nova lei