Diário de Notícias  - 14 Ago 08

 

Por lá como por cá
Maria José Nogueira Pinto

 

Com o arranque da campanha para as municipais brasileiras, jornais e televisões focam-se no assunto. Em São Paulo sê paulista e é nos candidatos a prefeito desta megalópole que se concentram as atenções dos meios de comunicação estaduais. Lendo o Estado de São Paulo, retenho três artigos que vale a pena referir aqui.

 

José de Sousa Martins escreve sobre o debate dos oito candidatos na TV Bandeirantes, sob o título "Como sempre foi", para concluir que, ao refluir para o rotineiro, a política brasileira gera os "apolíticos defensivos" em vez dos "positivamente críticos". Perante a carnavalização das campanhas e o esforço estereotipado dos candidatos e a sensação permanente de déjà-vu, o autor garante que o seu barbeiro, para fugir ao assédio dos candidatos, fechou os ouvidos aos discursos repetitivos e fechou a consciência à política propriamente dita. Confirmando a suspeição de que, em democracia e nos cenários impolíticos que a política de democracia mediatizada gera, o cidadão eleitor abre mão de direitos, em vez de delegar obrigações naquele que elege. É o voto como renúncia.

 

Mauro Chaves, a propósito do mesmo debate no qual abundaram ataques e contradições mútuas, levanta a questão do valor ou desvalor da verdade, quando se trata de escolher políticos para dirigir o destino de uma cidade de milhões de cidadãos e cujas ideias, boas ou más, ou a própria ausência das mesmas, afectarão directa ou indirectamente a vida de todos eles. Perante os debates televisivos, as declarações reproduzidas pela imprensa, as tiradas demagógicas e a manipulação dos factos e dos números, que deve ou pode fazer o eleitor comum que não tem, nem nunca terá, qualquer capacidade para confirmar a veracidade do que vão, apologeticamente, afirmando os candidatos? E conclui remetendo para os profissionais da comunicação o dever de cumprir o seu papel, isto é, de descobrir a verdade.

 

Mas quem não quis cruzar os braços fez o "Movimento Nossa São Paulo" - como nos conta Oded Grajew num artigo intitulado "Proposta, sim; blablablá, não" - uma rede apartidária constituída por mais de 500 organizações da sociedade civil paulistana. Entenda-se aqui como sociedade civil um conjunto de organizações de cidadãos que não dependem de subsídios do Governo ou da municipalidade, não são a sombra projectada de forças políticas nem os pombos- -correios de ideologias rigidificadas. Num país tão vasto como o Brasil, a massa crítica existe com iniciativa e independência e foi ela que gerou as propostas agora entregues aos candidatos, fruto de um trabalho aturado e rigoroso que cobre todos os temas relevantes: transporte e mobilidade, trabalho e renda, meio ambiente, saúde, habitação e urbanismo, educação, cultura, etc... Propostas que procuram garantir uma governação fiscalizável pelos cidadãos e que tenha subjacente o desafio de diminuir as enormes desigualdades sociais e regionais existentes na cidade. Tudo acompanhado por indicadores que devem ser apresentados semestralmente, bem como o grau de cumprimento dos objectivos a publicitar anualmente pelo município.

 

Pensando nas penúltimas e últimas autárquicas em Lisboa, cidade que cabe no mais pequeno bolso de São Paulo e cujos problemas se devem, sobretudo, à negligência que acumulou erros e à inércia que os deixou sedimentar, lembrando as trezentas e tal medidas de Carmona Rodrigues para cumprir em 180 dias e que não provocaram nem risos nem indignação, a centralidade de um Parque Mayer no debate, ou as megalomanias revestidas de chavões politicamente correctos de alguns candidatos, ou ainda, mais recentemente, aquele debate com um número absurdo de candidatos, alguns de duvidosa representatividade e representação, dou comigo a pensar que, lá como cá, e provavelmente um pouco por todo o lado, este processo de escolher quem nos represente ameaça transformar-se num mero processo formal, sem interesse nem expectativa. Que tal, então, importar este modelo: uma cidadania adulta para uma governação mais eficaz da cidade?