Com o arranque da campanha para as municipais
brasileiras, jornais e televisões focam-se no
assunto. Em São Paulo sê paulista e é nos candidatos
a prefeito desta megalópole que se concentram as
atenções dos meios de comunicação estaduais. Lendo o
Estado de São Paulo, retenho três artigos que vale a
pena referir aqui.
José de Sousa Martins escreve sobre o debate dos
oito candidatos na TV Bandeirantes, sob o título
"Como sempre foi", para concluir que, ao refluir
para o rotineiro, a política brasileira gera os "apolíticos
defensivos" em vez dos "positivamente críticos".
Perante a carnavalização das campanhas e o esforço
estereotipado dos candidatos e a sensação permanente
de déjà-vu, o autor garante que o seu barbeiro, para
fugir ao assédio dos candidatos, fechou os ouvidos
aos discursos repetitivos e fechou a consciência à
política propriamente dita. Confirmando a suspeição
de que, em democracia e nos cenários impolíticos que
a política de democracia mediatizada gera, o cidadão
eleitor abre mão de direitos, em vez de delegar
obrigações naquele que elege. É o voto como
renúncia.
Mauro Chaves, a propósito do mesmo debate no qual
abundaram ataques e contradições mútuas, levanta a
questão do valor ou desvalor da verdade, quando se
trata de escolher políticos para dirigir o destino
de uma cidade de milhões de cidadãos e cujas ideias,
boas ou más, ou a própria ausência das mesmas,
afectarão directa ou indirectamente a vida de todos
eles. Perante os debates televisivos, as declarações
reproduzidas pela imprensa, as tiradas demagógicas e
a manipulação dos factos e dos números, que deve ou
pode fazer o eleitor comum que não tem, nem nunca
terá, qualquer capacidade para confirmar a
veracidade do que vão, apologeticamente, afirmando
os candidatos? E conclui remetendo para os
profissionais da comunicação o dever de cumprir o
seu papel, isto é, de descobrir a verdade.
Mas quem não quis cruzar os braços fez o "Movimento
Nossa São Paulo" - como nos conta Oded Grajew num
artigo intitulado "Proposta, sim; blablablá, não" -
uma rede apartidária constituída por mais de 500
organizações da sociedade civil paulistana.
Entenda-se aqui como sociedade civil um conjunto de
organizações de cidadãos que não dependem de
subsídios do Governo ou da municipalidade, não são a
sombra projectada de forças políticas nem os pombos-
-correios de ideologias rigidificadas. Num país tão
vasto como o Brasil, a massa crítica existe com
iniciativa e independência e foi ela que gerou as
propostas agora entregues aos candidatos, fruto de
um trabalho aturado e rigoroso que cobre todos os
temas relevantes: transporte e mobilidade, trabalho
e renda, meio ambiente, saúde, habitação e
urbanismo, educação, cultura, etc... Propostas que
procuram garantir uma governação fiscalizável pelos
cidadãos e que tenha subjacente o desafio de
diminuir as enormes desigualdades sociais e
regionais existentes na cidade. Tudo acompanhado por
indicadores que devem ser apresentados
semestralmente, bem como o grau de cumprimento dos
objectivos a publicitar anualmente pelo município.
Pensando nas penúltimas e últimas autárquicas em
Lisboa, cidade que cabe no mais pequeno bolso de São
Paulo e cujos problemas se devem, sobretudo, à
negligência que acumulou erros e à inércia que os
deixou sedimentar, lembrando as trezentas e tal
medidas de Carmona Rodrigues para cumprir em 180
dias e que não provocaram nem risos nem indignação,
a centralidade de um Parque Mayer no debate, ou as
megalomanias revestidas de chavões politicamente
correctos de alguns candidatos, ou ainda, mais
recentemente, aquele debate com um número absurdo de
candidatos, alguns de duvidosa representatividade e
representação, dou comigo a pensar que, lá como cá,
e provavelmente um pouco por todo o lado, este
processo de escolher quem nos represente ameaça
transformar-se num mero processo formal, sem
interesse nem expectativa. Que tal, então, importar
este modelo: uma cidadania adulta para uma
governação mais eficaz da cidade?