Público - 4 Ago 04
Autódromos "a Céu Aberto"
Escrevo estas palavras ainda arrepiado depois de ter lido os dois
testemunhos que integravam uma reportagem recente sobre acidentes de
viação mortais nas nossas estradas. Digo que fiquei arrepiado, em
primeiro lugar, por ser também pai e recente (o meu filho tem apenas
um ano de idade) e, em segundo lugar, porque aqueles testemunhos,
corajosamente prestados por dois casais que perderam os seus filhos,
dão conta de acidentes provocados pelas cada vez mais comuns
corridas de automóveis nas estradas portuguesas, em especial nos
grandes centros urbanos.
Tudo isso me arrepiou, mas mais ainda porque senti do que falavam
por ter, eu próprio, presenciado já a forma como essas corridas se
desenrolam. Sem , querer alargar-me muito, passo a descrever a
situação que presenciei:
Num princípio de noite de uma sexta-feira dirigia-me eu, a minha
mulher e o meu filho de Lisboa para Sul, para passar um
fim-de-semana no litoral alentejano, quando, ao entrar na ponte
Vasco da Gama, reparo numa estranha
fila de automóveis alinhados no lado direito da via (até aqui tudo
bem, como mandam as regras) e em baixíssima velocidade. Não ia com
pressa, mas sempre ia mais depressa que esses carros (ainda tinha
muita margem até chegar ao limite de velocidade imposto naquela
ponte), logo fiz pisca e iniciei a ultrapassagem na faixa do meio.
Alguns minutos depois vejo pelo meu retrovisor que os mesmos carros
que tinha ultrapassado se aproximam e logo começam a passar por mim
a altíssima velocidade, alguns deles lado a lado. Um pela faixa mais
à esquerda e outro, que viu que a sua faixa não estava livre,
ultrapassou-me pela direita para logo se colocar ao lado do seu
rival. Ao passar por mim, por pouco os nossos carros não se tocaram.
A mim pareceu-me que o carro dele tinha elasticidade e se moldou ao
pouco espaço que tinha para ultrapassar, como que a dizer "desculpa,
mas o meu dono não sabe o que faz".
Era uma corrida de automóveis "tunning" na ponte Vasco da Gama. Já
tinha lido reportagens sobre elas na comunicação social que lhes dá
eco e até contornos de "enfant terribles". A polícia sabe delas, mas
não monta um dispositivo eficaz. Passo muitas vezes naquela ponte e
Deus queira que nunca tenha um azar como aquele que tiveram os
filhos das famílias que prestaram o seu testemunho.
António Carvalho
Lisboa
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