Correio da Manhã - 3 Ago 04
Educação - catedrático pede determinação
ESTAMOS A SER ESTUPIDIFICADOS

Os resultados da segunda fase dos exames do 12.º ano foram ontem afixados. O descalabro dá lugar à desilusão dos alunos e às críticas de pais e professores. Os primeiros falam em falta de exigência. Os segundos sugerem uma fórmula simples: soluções pequenas, mas drásticas

São “resultados humilhantes” e revelam “a inaptidão da sociedade para aceitar alterações a nível comportamental”. Seja dos governos, das famílias, dos professores ou da escola. É assim que António Manuel Baptista, professor catedrático jubilado de Física e fundador da Sociedade Portuguesa de Medicina Nuclear encara os péssimos resultados da segunda e última fase dos exames do 12.º ano.

Um problema cuja responsabilidade diz ser geral e para o qual, adianta, devem ser encontradas “soluções pequenas, mas radicais”. De resto, foi este tipo de propostas que António Manuel Baptista fez quando presidiu à Comissão para a Promoção do Estudos da Matemática e das Ciências, uma estrutura criada pelo ministro cessante, David Justino, e que o catedrático viria a abandonar em conflito com os restantes membros.

“Estamos fartos de reformas”, diz em declarações ao CM, frisando que os políticos – todos eles, de esquerda, da direita ou do centro – “estão subjugados a interesses que não têm nada a ver com os interesses da sociedade”. Adianta que “não tem havido coragem” para levar por diante pequenas alterações e mostrar ao País que existe determinação”. Em resultado dessa actuação, sublinha “estamos a ser estupidificados há já várias gerações”.

A REALIDADE DAS PAUTAS

Com esse tipo de políticas, frustram-se muitas expectativas, sobretudo as dos alunos que ontem correram a espreita as pautas. As notas lá estavam, a maioria revelou um descalabro total. Os piores resultados mantêm-se ao nível das Ciências, com as disciplinas de Física (6,2 valores) e Matemática (6,8 valores) a revelarem as médias mais baixas da segunda fase de exames. A cadeira de Português (A e B) contrariamente ao habitual também se ficou pela negativa. Comparativamente com o ano passado, há uma descida generalizada das notas. Das 21 disciplinas com maior número de inscrições, 18 têm média negativa.

FALTA DE EXIGÊNCIA

Resultados que a Confederação das Associações de Pais (Confap) diz reflectir a falta de exigência nos anos anteriores. “Já correspondem a um número muito baixo de alunos que sobrevive e chega ao 12.º ano”, sublinha Albino Almeida, presidente da Confap, adiantando que as “sucessivas reformas limitam-se a plasmar as ideias dos ministros”. Em resultado disso, “temos currículos inaceitáveis”

Para o representante dos pais, o que os estudantes precisam é de tempo para aprender e ser ensinados. “Precisam, sobretudo, de estabilidade nas escolas e de um corpo docente motivado”.

“E precisamos também de coragem”. De novo António Manuel Baptista expressa a sua opinião para frisar que os maus devem ser penalizados e os bons recompensados.

“Se alguns alunos tiverem de reprovar, que assim seja, mas não se pode prejudicar aqueles que têm capacidade para atingir um nível superior”.

Sugere por isso algumas alterações: concentrar as atenções no pré-escolar, mexer no Ensino Básico e decidir quais as diciplinas que são fundamentais no Secundário.

O insucesso dos alunos portugueses, sobretudo nas disciplinas de Matemática e de Física, já havia sido revelado no âmbito de um estudo organizado pela OCDE (PISA) e que envolveu 256 mil estudantes de 32 países. Em Matemática, Portugal partilha o penúltimo lugar da classificação, a par da Polónia, Itália, Grécia e Luxemburgo. Apenas o México é pior que nós. Em Ciências, só os alunos do México e do Luxemburgo ficam atrás.

DESCIDA GENERALIZADA DAS NOTAS

À semelhança dos anos anteriores, as notas da segunda fase dos exames do Ensino Secundário são mais baixas do que as da primeira fase. Em relação ao ano passado registou-se uma descida das notas.

Dados do Ministério da Educação permitem concluir que as notas baixaram em 12 das 21 disciplinas com maior número de alunos internos inscritos.

As médias mais baixas são as de Matemática (6,8 valores), Física e Alemão (ambas com 6,8). A descida das médias é uma constante. Em Português A, a média foi de 9,7 valores (contra os 10,2 do ano transacto). Português B teve uma média de 9 valores, menos sete décimas do que em 2003. O maior desastre verificou-se na disciplina de Desenho e Geometria Descritiva A: a média de 12 valores em 2003 caiu para 8,7 este ano.

ERRO EM HISTÓRIA E ADENDA NA MATEMÁTICA

Os exames de História e Matemática deram que falar. Na prova de História, onde o rigor histórico é fundamental, a última questão do teste pedia um comentário a uma mensagem do Presidente da República, Costa Gomes, de Janeiro de 1977. Mas nessa altura a presidência era exercida por Ramalho Eanes! O Ministério da Educação (ME) reconheceu o erro mas desvalorizou a polémica, pois o que se pretendia era um comentário no contexto da institucionalização da democracia em Portugal.

No caso da Matemática, a Federação Nacional de Professores acusou o ME de ter enviado uma adenda alterando os critérios de correcção, o que segundo a Fenprof revelou “desorientação e incompetência”. O Ministério disse que não alterou as regras e que todo o processo já estava combinado com os professores supervisores.

Por que falharam os alunos nos exames de acesso ao ensino superior?

FERNANDO SILVA, 21 ANOS - LISBOA

“O professor de Filosofia não nos preparou como devia ser e por isso eu tive 8 neste exame. Na primeira fase também tive azar – não me deixaram entrar na sala onde ia realizar-se o exame só porque cheguei com dois minutos de atraso. E chumbei.”

CRISTINA ALVES, 20 ANOS - PORTO

“Os exames não me correram bem em relação ao esforço que fiz. Em Química obtive positiva, a Matemática correu mal, na primeira e na segunda chamada. Não obtive os 9,5. Dedicarei o próximo ano a fazer as específicas. Está tudo adiado para Junho de 2005.”

JOÃO PINTO, 18 ANOS - BRAGA

“A nota do exame de Física, 7, faz descer a média para 13 e complicar as contas. Acabaram com os exames em Setembro, mas podiam assegurar no novo calendário mais tempo a mediar as provas, porque ficaram todas em cima umas das outras. Foi tudo a correr.”

ANDREA CRISTINA, 17 ANOS - VISEU

“O exame de Matemática, 5, correu muito mal. Estava preparada, mas quando vi a figura geométrica assustei-me, não consegui raciocinar e, por motivos que não consigo explicar, bloqueei. A culpa também deve ser do sistema educativo. É de todos, de nós, dos professores.”

NUNO MIRANDA, 19 ANOS - ÉVORA

“Reprovei a três disciplinas: Geologia, Biologia e Matemática. Queria tirar um curso superior de desporto, mas vou ter que aguentar mais um ano. Até tivemos tempo para nos preparar, mas a quem é que apetece estudar no mês de Julho com este calor?”

CRITINA GALEGO, 18 ANOS - FARO

“Não sei porquê mas fiz este exame de Matemática melhor do que o outro. Estudei mais e correu bem. Embora tenha tido 8, consegui passar. Relativamente às notas terem descido agora, penso que a realização do Euro nesta época terá contribuído para isso.”

Manuela Guerreiro com B.C.M. e delegações

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