Atordoados em frente a um ecrã de televisão José Manuel Fernandes
Falou-se da culpa dos políticos e da culpa da escola
no afastamento dos jovens da vida política e da vida
cívica. Mas também é importante falar do papel da
comunicação social
Os jovens sabem pouco sobre o 25 de Abril. Sabem
pouco sobre a actualidade política. Como sabem pouco
sobre história portuguesa, contemporânea ou antiga.
Como infelizmente sabem pouco sobre muitos outros
temas.
Mas não só os jovens. Se o nível de ignorância sobre
as respostas correctas às três perguntas colocadas
no inquérito encomendado pela Presidência da
República foi maior nas faixas etárias mais baixas,
não deixou de ser anormalmente elevada considerando
o conjunto da população. Um terço dos inquiridos não
souberam responder à questão mais simples, isto é,
não sabiam que o PS governa com o apoio de uma
maioria absoluta de deputados. Apesar de a
percentagem de ignorância descer entre os que têm
mais de 30 anos, mesmo assim situou-se sempre acima
dos 30 por cento.
Ora isto não se ensina nas escolas. Aprende-se, ou
sabe-se com naturalidade, ao se estar interessado na
vida cívica, e também na vida política. Portugal
apresenta dos menores índices de interesse pela
política de toda a Europa, e aí o conjunto da
população não fica mais bem representado do que os
jovens, pelo contrário.
Outros estudos recentes, de 2002 e 2004, citados no
estudo, indicam que o interesse pela política só é
menor em Espanha e em algumas das jovens democracias
do Leste europeu. Pior ainda: quando consideramos a
importância que a política tem na vida dos cidadãos,
a par com outros interesses como a família, os
amigos, os tempos livres, a religião, o trabalho ou
o voluntariado, a política surge em último lugar e
Portugal fica também em último lugar entre os 29
países ou regiões considerados no Eurobarómetro. De
resto, Portugal só fica claramente na parte de cima
da tabela quando se considera a importância dada ao
trabalho (sétimo lugar) e à religião (oitavo lugar).
Num outro indicador de participação cívica, o
voluntariado, a posição do nosso país volta a não
ser feliz: atrás de nós só estão seis países ou
regiões.
Não surpreende assim que os níveis de participação
política, desde os mais convencionais aos menos
convencionais, seja baixo em termos absolutos e
menor do que na maioria dos países para os quais
existem dados comparáveis, acontecendo, porém, que
aqui não se notam grandes diferenças entre os
portugueses mais novos e os mais velhos. Se é certo
que estes votam com mais regularidade, os mais novos
assinam mais petições ou boicotam mais vezes
produtos por motivações políticas ou ambientais.
O nível de participação em associações (pouca
militância política e um dos mais baixos índices de
participação sindical) é muito baixo, com excepção
das associações de carácter religioso.
Todos estes elementos traduzem um quadro de apatia
cívica acima do desejável, ou mesmo do tolerável,
assim como um desinteresse muito grande pela
política e uma baixíssima vontade de intervir na
vida partidária. E se parte deste desinteresse pode
explicar--se por níveis baixos de satisfação com o
funcionamento do nosso regime democrático, níveis
que estão muito relacionados com o desempenho da
economia (o pico da satisfação foi registado na
viragem dos anos 80 para os anos 90, após a entrada
na Comunidade Europeia e quando Cavaco Silva era
primeiro-ministro e Mário Soares Presidente da
República), a verdade é que todos estes diferentes
factores são insuficientes para explicar o grau de
desinformação detectado no estudo.
O Presidente atribui aos políticos - e ele também é
um político - grandes responsabilidades pelo facto
de a política não ser capaz de mobilizar o interesse
dos jovens. Apontou mesmo o dedo a "um certo autismo
de alguma classe política", aconselhando-a "a
conhecer melhor a realidade do país", e todos sabem
como é grande a distância entre eleitores e eleitos.
Mas se Cavaco Silva falava na casa da democracia e
se se dirigia em primeiro lugar aos representantes
do povo, os deputados, é importante levar a sua
reflexão mais longe noutro domínio: o que é que os
que, não sendo políticos, mas sendo cidadãos
interessados, e aqueles que têm por missão mediar a
informação, os jornalistas, têm feito?
Na verdade, se não podemos acusar apenas a escola,
como alguns fizeram nas primeiras reacções ao
discurso presidencial, é bom tentar encontrar no
estudo outros elementos que permitam detectar outros
"culpados", chamemos--lhes assim. Ora, ao lermos o
capítulo sobre a forma como os cidadãos acedem à
informação política, verificamos que o fazem
sobretudo através da televisão. Mais: o domínio da
televisão sobre todos os outros meios de informação
coloca pela primeira e única vez Portugal num
primeiro lugar: lideramos a tabela da dependência
dos cidadãos da televisão para se informarem sobre
política. Sem surpresa, o estudo confirma o pouco
peso dos jornais (menor ainda entre os mais novos) e
da Internet (aqui com mais jovens atentos).
Os autores do estudo encontram uma correlação
positiva entre o grau de ignorância sobre temas
políticos e o consumo dos diferentes meios de
informação. Mas como o tema é apenas aflorado, e os
elementos disponíveis são escassos, pouco mais
poderemos concluir que o consumo excessivo de
televisão não favorece a participação cívica e
política, nem acrescenta o necessário à cultura
política dos cidadãos. É triste, mas é assim, e aqui
a culpa não é só dos políticos ou do "sistema".