Público - 26 Abr 08

 

Cavaco Silva pede o fim da venda de ilusões na política
Leonete Botelho

 

Preocupado com o alheamento dos jovens, o Presidente da República deixou recado aos agentes políticos e renovou apelo à não resignação

 

Imperaram as gravatas vermelhas, talvez mais do que os cravos na lapela, e não faltaram referências à democracia e às suas dificuldades. Mas as comemorações oficiais do 25 de Abril na Assembleia da República foram marcadas por um facto inédito, um estudo científico mandado fazer pelo Presidente da República sobre os jovens e a política. E cuja primeira conclusão não surpreende: é notória a insatisfação dos portugueses em geral com o funcionamento da democracia (ver páginas 4 e 5).

 

No sempre tão esperado discurso anual no Parlamento, Cavaco Silva regressou aos jovens. Um ano depois de ter deixado o apelo aos mais novos para que "não se resignem" - que, aliás, renovou -, o chefe de Estado quis conhecer cientificamente uma realidade que o preocupa: as atitudes e comportamentos políticos dos jovens, com um estudo que permite ter uma visão global sobre as percepções de toda a sociedade, já que permite a comparação com outros grupos etários.

 

Por isso, a primeira conclusão é longitudinal e afirma não só a insatisfação com a democracia, como a existência de atitudes favoráveis a reformas profundas na sociedade portuguesa. Mas Cavaco frisou ainda outro dado: é que essa insatisfação e o pessimismo "cresceram de forma sensível" desde 2004, altura em que os portugueses já estavam entre os europeus "com uma pior avaliação do funcionamento da democracia".

 

"Ignorância" dos jovens

 

Do estudo feito pela Universidade Católica, o que mais impressiona o chefe de Estado é "ignorância" dos jovens, pois muitos não sabem sequer o que foi o 25 de Abril, nem o que significou para Portugal. Cavaco Silva destacou um aspecto. Foram colocadas três perguntas aos inquiridos: qual o número de Estados da União Europeia, quem foi o primeiro Presidente eleito após o 25 de Abril e se o PS dispunha ou não de maioria absoluta no Parlamento. "Pois, senhores deputados, metade dos jovens entre os 15 e os 19 anos e um terço entre os 18 e os 29 anos não foi sequer capaz de responder correctamente a uma única das três perguntas", disse e repetiu.

 

"Num certo sentido, o 25 de Abril continua por realizar", exclamou Cavaco Silva, explicando em quê. Na "ambição de uma sociedade mais justa", na exigência de "um maior empenhamento cívico dos cidadãos", na necessidade de "uma nova atitude da classe política, há ainda um longo percurso a percorrer", considerou.
Atrofia democrática, portanto, que Cavaco Silva levou aos deputados em versão científica, "na convicção de que os agentes políticos não podem alhear-se do pulsar da sociedade e daquilo que os cidadãos pensam daqueles que os governam". E se foi duro no diagnóstico, foi claro na terapêutica: "Os centros de decisão têm de procurar uma política de proximidade face aos portugueses". Os partidos políticos - responsáveis porque não fizeram "o necessário reforço para a credibilização da vida política" - devem "ouvir o povo e falar-lhes com verdade".

 

"Vender ilusões não é seguramente a melhor forma de fortalecer o imprescindível clima de confiança que deve existir entre os cidadãos e a classe política", frisou o Presidente da República. E num mesmo patamar defendeu tanto o fim de "um certo autismo de alguma classe política", a quem recomendou conhecer melhor a realidade do país, como a necessidade de "pôr cobro ao pessimismo que muitos dizem ser uma característica singular do povo português".

 

Uma mensagem que já não é só para a classe política, mas um regresso ao repetido apelo presidencial para que os cidadãos tomem o futuro nas suas mãos e participem nas soluções. "Ao invés de imaginar o dia de amanhã, em lugar de procurarmos sinais nas estrelas de um futuro incerto, construamos hoje mesmo o que queremos para um Portugal melhor", incentivou.

 

Gama e as ideias políticas

 

Por sua vez, o presidente da Assembleia da República também salientou a responsabilidade que recai sobre os partidos e os responsáveis públicos. Para Jaime Gama, os partidos têm "a grande responsabilidade de agir mais como intermediários inteligentes da sociedade que nasce, se afirma e renova, do que como depositários letárgicos de opiniões feitas ou de posições instaladas". "Não há democracia sem política e não há política sem ideias políticas", sublinhou.

 

Antes, Gama disse que os "tempos difíceis" exigem, "a par da qualificação, transparência e seriedade da administração e dos titulares dos órgãos de soberania", "sentido de missão dos responsáveis públicos" para "enfrentar sem tréguas áreas de tão elevada complexidade como o combate à criminalidade económica e financeira e à corrupção".

 

Quem não viu "nenhuma crítica" aos partidos no discurso do chefe de Estado foi o porta-voz do PS, Vitalino Canas. "Nós sabemos que essa é uma questão nos Estados ocidentais democráticos, onde há um debate grande em relação à qualidade da democracia", afirmou à Lusa, preferindo destacar a "grande preocupação" de Cavaco Silva com a necessidade de um maior envolvimento dos jovens nas questões políticas.

 

"Sobre a qualidade da democracia retive um aspecto importante, que é a necessidade de encontrar novas formas de participação política e, eventualmente, criar laços mais directos entre os representantes políticos e os cidadãos em geral", sublinhou. Vitalino Canas disse que "essa também é uma das convicções no PS", recordando que nesta legislatura aprovou uma lei paritária das mulheres na política e que o PS está a trabalhar no sentido de haver uma maior aproximação entre os cidadãos e os seus representantes.

 

O primeiro-ministro fez ontem o primeiro alerta claro para as "dificuldades e incertezas nos tempos que aí vêm devido à conjuntura internacional". À saída das comemorações oficiais do 25 de Abril no Parlamento, José Sócrates afirmou "não poder estar mais de acordo com as preocupações do senhor Presidente da República", mas também deixou claras quais as suas principais apreensões. "Teremos certamente dificuldade e incertezas", afirmou, deixando um recado com destinatário preenchido - "àqueles que querem atribuir ao Governo essa responsabilidade": "Toda a gente sabe que as dificuldades vêm de fora, mas vamos enfrentá-las como as enfrentámos em 2005, 2006 e 2007 e que as vencemos com sucesso, sucesso para o crescimento económico, para o equilíbrio das contas públicas e para assegurar o futuro dos portugueses." As declarações do primeiro-ministro podem estar a preparar caminho para uma próxima revisão em baixa do crescimento económico para 2008.