Cavaco Silva pede o fim da venda de ilusões na
política Leonete Botelho
Preocupado com o alheamento dos jovens, o Presidente
da República deixou recado aos agentes políticos e
renovou apelo à não resignação
Imperaram as gravatas vermelhas, talvez mais do que
os cravos na lapela, e não faltaram referências à
democracia e às suas dificuldades. Mas as
comemorações oficiais do 25 de Abril na Assembleia
da República foram marcadas por um facto inédito, um
estudo científico mandado fazer pelo Presidente da
República sobre os jovens e a política. E cuja
primeira conclusão não surpreende: é notória a
insatisfação dos portugueses em geral com o
funcionamento da democracia (ver páginas 4 e 5).
No sempre tão esperado discurso anual no Parlamento,
Cavaco Silva regressou aos jovens. Um ano depois de
ter deixado o apelo aos mais novos para que "não se
resignem" - que, aliás, renovou -, o chefe de Estado
quis conhecer cientificamente uma realidade que o
preocupa: as atitudes e comportamentos políticos dos
jovens, com um estudo que permite ter uma visão
global sobre as percepções de toda a sociedade, já
que permite a comparação com outros grupos etários.
Por isso, a primeira conclusão é longitudinal e
afirma não só a insatisfação com a democracia, como
a existência de atitudes favoráveis a reformas
profundas na sociedade portuguesa. Mas Cavaco frisou
ainda outro dado: é que essa insatisfação e o
pessimismo "cresceram de forma sensível" desde 2004,
altura em que os portugueses já estavam entre os
europeus "com uma pior avaliação do funcionamento da
democracia".
"Ignorância" dos jovens
Do estudo feito pela Universidade Católica, o que
mais impressiona o chefe de Estado é "ignorância"
dos jovens, pois muitos não sabem sequer o que foi o
25 de Abril, nem o que significou para Portugal.
Cavaco Silva destacou um aspecto. Foram colocadas
três perguntas aos inquiridos: qual o número de
Estados da União Europeia, quem foi o primeiro
Presidente eleito após o 25 de Abril e se o PS
dispunha ou não de maioria absoluta no Parlamento.
"Pois, senhores deputados, metade dos jovens entre
os 15 e os 19 anos e um terço entre os 18 e os 29
anos não foi sequer capaz de responder correctamente
a uma única das três perguntas", disse e repetiu.
"Num certo sentido, o 25 de Abril continua por
realizar", exclamou Cavaco Silva, explicando em quê.
Na "ambição de uma sociedade mais justa", na
exigência de "um maior empenhamento cívico dos
cidadãos", na necessidade de "uma nova atitude da
classe política, há ainda um longo percurso a
percorrer", considerou.
Atrofia democrática, portanto, que Cavaco Silva
levou aos deputados em versão científica, "na
convicção de que os agentes políticos não podem
alhear-se do pulsar da sociedade e daquilo que os
cidadãos pensam daqueles que os governam". E se foi
duro no diagnóstico, foi claro na terapêutica: "Os
centros de decisão têm de procurar uma política de
proximidade face aos portugueses". Os partidos
políticos - responsáveis porque não fizeram "o
necessário reforço para a credibilização da vida
política" - devem "ouvir o povo e falar-lhes com
verdade".
"Vender ilusões não é seguramente a melhor forma de
fortalecer o imprescindível clima de confiança que
deve existir entre os cidadãos e a classe política",
frisou o Presidente da República. E num mesmo
patamar defendeu tanto o fim de "um certo autismo de
alguma classe política", a quem recomendou conhecer
melhor a realidade do país, como a necessidade de
"pôr cobro ao pessimismo que muitos dizem ser uma
característica singular do povo português".
Uma mensagem que já não é só para a classe política,
mas um regresso ao repetido apelo presidencial para
que os cidadãos tomem o futuro nas suas mãos e
participem nas soluções. "Ao invés de imaginar o dia
de amanhã, em lugar de procurarmos sinais nas
estrelas de um futuro incerto, construamos hoje
mesmo o que queremos para um Portugal melhor",
incentivou.
Gama e as ideias políticas
Por sua vez, o presidente da Assembleia da República
também salientou a responsabilidade que recai sobre
os partidos e os responsáveis públicos. Para Jaime
Gama, os partidos têm "a grande responsabilidade de
agir mais como intermediários inteligentes da
sociedade que nasce, se afirma e renova, do que como
depositários letárgicos de opiniões feitas ou de
posições instaladas". "Não há democracia sem
política e não há política sem ideias políticas",
sublinhou.
Antes, Gama disse que os "tempos difíceis" exigem,
"a par da qualificação, transparência e seriedade da
administração e dos titulares dos órgãos de
soberania", "sentido de missão dos responsáveis
públicos" para "enfrentar sem tréguas áreas de tão
elevada complexidade como o combate à criminalidade
económica e financeira e à corrupção".
Quem não viu "nenhuma crítica" aos partidos no
discurso do chefe de Estado foi o porta-voz do PS,
Vitalino Canas. "Nós sabemos que essa é uma questão
nos Estados ocidentais democráticos, onde há um
debate grande em relação à qualidade da democracia",
afirmou à Lusa, preferindo destacar a "grande
preocupação" de Cavaco Silva com a necessidade de um
maior envolvimento dos jovens nas questões
políticas.
"Sobre a qualidade da democracia retive um aspecto
importante, que é a necessidade de encontrar novas
formas de participação política e, eventualmente,
criar laços mais directos entre os representantes
políticos e os cidadãos em geral", sublinhou.
Vitalino Canas disse que "essa também é uma das
convicções no PS", recordando que nesta legislatura
aprovou uma lei paritária das mulheres na política e
que o PS está a trabalhar no sentido de haver uma
maior aproximação entre os cidadãos e os seus
representantes.
O primeiro-ministro fez ontem o primeiro alerta
claro para as "dificuldades e incertezas nos tempos
que aí vêm devido à conjuntura internacional". À
saída das comemorações oficiais do 25 de Abril no
Parlamento, José Sócrates afirmou "não poder estar
mais de acordo com as preocupações do senhor
Presidente da República", mas também deixou claras
quais as suas principais apreensões. "Teremos
certamente dificuldade e incertezas", afirmou,
deixando um recado com destinatário preenchido -
"àqueles que querem atribuir ao Governo essa
responsabilidade": "Toda a gente sabe que as
dificuldades vêm de fora, mas vamos enfrentá-las
como as enfrentámos em 2005, 2006 e 2007 e que as
vencemos com sucesso, sucesso para o crescimento
económico, para o equilíbrio das contas públicas e
para assegurar o futuro dos portugueses." As
declarações do primeiro-ministro podem estar a
preparar caminho para uma próxima revisão em baixa
do crescimento económico para 2008.