Mal um governo obtém um indicador favorável
envolve-se de imediato em políticas demagógicas de
benefícios e facilidades
Mais uma vez, a segunda ou terceira este ano, é
anunciada a construção da ponte entre Chelas e o
Barreiro. Vem juntar-se aos anúncios do aeroporto de
Alcochete e do TGV, das Plataformas Tecnológicas, de
uma mão-cheia de grandes hospitais e de mais um
pacote de auto-estradas. O progresso material
avança. Entretanto, ficaram para trás, entre outros,
o Choque Tecnológico, as Novas Oportunidades e as
Unidades de Saúde Familiar. Assim como, de acordo
com a OCDE, o ensino superior. Anúncio que encheu o
Governo de orgulho, com alguma razão, foi o do
défice a 2,6 por cento, o mais baixo em décadas. Foi
tão auspicioso, que serviu para esconder o fiasco do
programa de diminuição de funcionários públicos,
substituído agora por novo regime de reformas do
Estado, favorável para os que querem sair mais cedo,
contrariando assim o que tinha sido aprovado há
menos de dois anos. Mas é verdade que o baixo
défice, obtido, sem dúvida, a altos preços sociais,
é um sinal positivo. Talvez o único, ou o principal,
que este Governo nos deu. Não chega para diminuir
impostos, nem para acelerar o investimento público,
muito menos para aumentar vencimentos e benefícios
sociais. Mas é um princípio. Se continuar a descer,
se baixar para zero por cento dentro de dois anos,
se traduzir constância nas políticas financeiras e
económicas e se for o resultado de uma severidade
sem demagogia, é caso para dizer que melhores tempos
vêm aí. Um país e um Estado sem ou com poucas
dívidas são condições de progresso. A estabilidade
financeira e fiscal é uma protecção aos rendimentos
das famílias e um factor de promoção do
investimento.
Este resultado é, uma vez mais, uma boa notícia. Mas
não autoriza o Governo a preparar as suas festas
eleitorais, como já deu mostras de ser sua intenção
com a redução de um por cento do IVA, medida
dispendiosa para os agentes económicos,
eventualmente inútil e seguramente perturbadora.
Nesse sentido, pois que já entrámos em campanha que
vai durar mais de um ano, todos os receios são
fundados e legítimos. As últimas décadas deram
numerosas lições que se não deveriam esquecer. Mal
um governo obtém um indicador favorável (na
inflação, no défice, no crescimento do PIB, na
balança comercial) envolve-se de imediato em
políticas demagógicas de aumentos, benefícios e
facilidades. Em três décadas, nunca se conseguiu um
período de cinco anos de crescimento, de
estabilidade e de moderação. Para este desaire,
houve, por vezes, causas externas, mas a maior parte
delas foi por má gestão política e por demagogia
eleitoral.
Hoje, quase todos os indicadores importantes são
desfavoráveis. Além da crise europeia e americana
que se desenha, assim como da alta dos preços dos
alimentos, das matérias-primas e do petróleo, há
sinais mais que suficientes para inquietação. O
investimento, tanto interno como externo, caiu muito
e os poucos novos projectos que o Governo anuncia
com estrondo não chegam sequer para compensar as
unidades que fecham, reduzem operações ou se "deslocalizam".
O desemprego persiste a níveis exagerados. E a perda
real de rendimento de muitas famílias mantém-se.
Perante isto, já se percebeu a intenção fundamental
do Governo: fazer obras públicas. Grandes projectos
e grandes empreendimentos. Como, há tempos, dizia
Miguel Beleza, o que o Governo quer é gastar. Gastar
muito, gastar depressa, gastar o mais possível. Se a
obra for cara, melhor ainda. Se a obra não for a
melhor, a mais adequada, a mais útil, é indiferente.
O que é preciso é gastar e, por arrasto, criar
emprego. O que é necessário é trabalhar para a
estatística. Nas obras, tanto como na educação ou na
saúde.
Portugal continua atrasado. Não se deve
evidentemente confundir atraso com estagnação ou
ausência de mudança. Não. Portugal mudou muito.
Esquecemo-nos é que os outros também e, agora, mais
depressa. E nem queremos saber que os outros estão a
mudar melhor. Nos países de Leste, por exemplo, a
educação, o património e a vida nas cidades fazem a
inveja dos portugueses. Estamos seguramente menos
atrasados, relativamente aos países desenvolvidos,
do que há quarenta anos. Mas entrámos, desde o
princípio do século, num período de atraso
crescente. O progresso da civilização material,
regra primeira da governação portuguesa, é feito à
custa do Estado e das obras públicas
É tudo o que parece fácil. Assina-se o cheque e
pronto, já está. O construtor faz a obra, o ministro
inaugura. A instrução fica para trás, a cultura
também. A formação técnica e profissional é
medíocre. O investimento das pequenas e médias
empresas definha. O património degrada-se, as ruas
das cidades igualmente. Perde-se a floresta e a
água. A ciência avança ao retardador. Nas grandes
metrópoles, a vida continua esquálida e
desconfortável. A circulação automóvel agrava-se e o
tempo perdido é cada vez maior. Mas faz-se obra.
Constrói-se. É preciso dar nas vistas. Gastar o que
custou a poupar. Dar emprego depressa, mesmo se mal
e precariamente. Gastar o que vem da Europa. Fazer
obra pesada.
Há quem diga que o que faz falta é o software. Isto
é, inteligência política, sensibilidade, instrução,
conhecimentos, experiência e sentido da
responsabilidade. É bem possível. As origens deste
nosso atraso recente podem ser mais fundas e mais
antigas do que as aparentes causas contemporâneas.
A transformação dos dirigentes socialistas em
empresários de sucesso (na banca, na energia e na
construção) é apenas um epifenómeno. Mais do que uma
causa, a vacuidade plastificada do primeiro-ministro
é uma consequência deste atraso.
Não é razoável considerá-los culpados do atraso, nem
do antigo, nem do recente. Mas é possível
responsabilizá-los por não fazerem o que devem. Ou
fazerem o que não devem. Sociólogo