Ficou célebre a frase da campanha vitoriosa de Clinton
contra Bush pai: "É a economia, estúpido!" Por cá, as
preocupações económicas são dominantes e toda a gente
fala delas. Compreende-se: a crise tornou-se demasiado
grande para passar despercebida ao mais distraído.
Há dias, surgiram o Boletim do Banco de Portugal e os
relatórios da OCDE e do FMI, traçando um retrato negro
da nossa situação económica. E a escalada dos preços do
petróleo contribuiu para o pessimismo. Tudo isso foi
debatido entre nós. Mas a discussão, sobretudo ao nível
político-partidário, passou quase sempre ao lado do
essencial.
Governo e oposição invocam as últimas estatísticas
susceptíveis de reforçarem os seus pontos de vista. Na
ânsia de ver materializar- -se a prometida e
sucessivamente adiada retoma, o Governo valoriza
qualquer indício animador (mesmo falso, como aconteceu
com os desempregados inscritos no IEFP). Ao invés,
perante os frequentes dados negativos sobre a conjuntura
económica, aí temos as oposições a clamar que o Governo
segue políticas erradas (embora por razões opostas,
conforme as críticas vêm da esquerda ou da direita).
Só que o problema não é de conjuntura. Por exemplo, é
ridículo argumentar que, estando hoje o desemprego umas
décimas acima do estava há uns meses ou há um ano, o
Governo é péssimo. Ou culpá-lo de continuarmos a
crescer, quando crescemos, abaixo da média europeia.
Nada disso poderia ser diferente, dada a situação de
base da economia nacional. Por isso os diagnósticos
negativos do Banco de Portugal, da OCDE e do FMI não
surpreenderam quem acompanha estes assuntos. Discutir
agora "resultados" das políticas governativas (ou da
falta delas) com base em índices mensais, trimestrais ou
até anuais é distrair a opinião pública daquilo que
realmente importa.
E o que importa é saber se o Governo está, ou não, a
enfrentar a gravíssima crise estrutural que o País
atravessa - e atravessará durante longos anos. Muita
gente ainda não percebeu que o mundo mudou. A
concorrência trazida pelo alargamento da UE e pela
globalização, sem possibilidade de desvalorizar a moeda,
bem como o envelhecimento da população, impõem mudanças
radicais que ainda mal se iniciaram.
O Banco de Portugal nota que a situação actual é muito
diversa da observada após a recessão de 1993. "Em
contraste com o então verificado, a evolução recente da
actividade económica em Portugal caracteriza-se pela
ausência de uma recuperação sustentada."
Precisamente: a crise não é cíclica ou conjuntural. É
diferente das anteriores, é estrutural. Diz a OCDE que a
economia portuguesa começou a deteriorar-se em 2000 e
deverá crescer abaixo da média europeia pelo menos até
2010. Por isso interessa pouco saber se vem aí ou não
uma retomazinha, porventura puxada por algum factor
externo. O essencial é perceber até que ponto estamos a
actuar na mudança das estruturas.
Pelo contrário, temos preferido olhar para o imediato.
Enquanto deu, os empresários continuaram a apostar em
produções de mão- -de-obra barata, que hoje não
conseguem vender. Os consumidores passaram a actuar como
se fossem ricos, com a ajuda do crédito acessível. E o
Estado presidiu alegremente a estas ilusões, ao dar ele
próprio o exemplo aumentando sem cessar a despesa
pública e o défice.
Resultado: pouco produtivo, o País perdeu
competitividade. Por isso empobrecemos nesta era de
globalização.
Só daremos a volta com remédios de fundo, não com
aspirinas conjunturais. Ora aí, porventura forçado pelas
circunstâncias, o actual Governo deu indícios de que
finalmente se começaria a agir. Na Segurança Social, na
Saúde, na Educação, na inovação tecnológica, na
Administração Pública. É ainda muito pouco, mas em todo
o caso mais do que fizeram governos anteriores.
Sócrates percebeu que o défice das contas públicas é
mesmo uma questão séria e não a "obsessão" de que ele
falava quando era oposição. Mas, por enquanto, a despesa
pública e o défice continuam a subir. O défice de 2005,
sem medidas extraordinárias e tirando os efeitos do
ciclo económico, foi maior do que o défice de 2004.
Resta a esperança de que o ímpeto reformador que parecia
animar o Governo acabe por se confirmar, o que implicará
avançar com medidas bem mais duras e difíceis do que as
tomadas até aqui. Para o nosso futuro é isto que
interessa. É para aí, e não para evoluções de curto
prazo que pouco significam, que devemos voltar a nossa
atenção.